quarta-feira, 8 de maio de 2013

A Celebração da Ceia na Visão de Calvino


“Não é fácil evitar esse sério problema ecumênico, nem é possível ignorar as cicatrizes que permanecem das controvérsias do século XVI sobre o significado de hoc est corpus meun.”[1]
Timothy George
Introdução
João Calvino nasceu em 10 de Julho 1509, em Noyon, na França. Faz parte da segunda geração dos reformadores protestantes. Após sua conversão, Calvino se pôs a produzir diversas literaturas, uma delas intitulada: Institutas, finalizada em 1559, comparada à obra de Tomás de Aquino, Summa Teológica. O capítulo quarto encontra-se a abordagem que Calvino faz sobre os sacramentos, e um deles em particular será objeto de nosso estudo: A Ceia do Senhor ou Eucaristia. A discussão sobre este tema encontrava fértil terreno para discussões, defesas e acusações entre os próprios reformadores e estes em relação à Ortodoxia Católica Romana.
A principal questão era entender de que forma a presença de Cristo se dava quando da celebração da eucaristia. Lutero defendia a presença real e concreta de Cristo.[2] Calvino como veremos adiante, destacava o papel do Espírito Santo na celebração. Zuínglio defendia a dimensão memorial[3], os elementos eram recebidos pela fé, no seu coração, Cristo não estaria preso ao pão e ao vinho. A ortodoxia católica defendia a presença real de Cristo nos elementos da eucaristia[4].
A interpretação de Calvino
Calvino entendia que a Ceia do Senhor era um sacramento da Igreja Cristã, ela alimentava espiritualmente com a bondade de Deus, os que dela participavam. O texto de I Coríntios 11.25 enfatiza o novo pacto no sangue de Cristo, na forma de promessa que nos consola, apóia e nos confirma diante de Deus. O sacramento da ceia traz as almas um grande consolo, através do ato podemos conhecer o Cristo que está conosco e nós com Ele. Podemos ter a certeza que a vida eterna nos pertence e que o Reino dos Céus nunca poderá nos faltar. Esta é a troca que Cristo faz, toma as nossas debilidades, fraquezas e mortalidade e nos reveste de opulência, de virtude e de imortalidade, nos tornando com Ele, filhos de Deus. A fé exercida nos sacramentos, neste caso, específica da ceia, servia para aumenta-la, defende-la e exercita-la ou invés de negar.
Cristo pertence a nós, pois Ele se entrega. Dá o seu corpo e o seu sangue, podemos tocá-lo e se faz uma única substância conosco.  A concepção que Calvino tinha da Ceia do Senhor ou Eucaristia consistia numa base divina e não material, a ceia elevava o participante a uma posição espiritual ascendente. Dada para nossa saúde e redenção espirituais.  A finalidade principal é demonstrar que através do corpo de Cristo é que somos alimentados para a vida eterna. Os elementos físicos ofertados na ceia tinham por analogia um sentido espiritual. Assim como o material alimenta  e defende o corpo, assim ocorre com o corpo de Cristo em nossa vida espiritual. Da mesma forma o vinho tem como símbolo do sangue para nos reanimar e nos alegrar. Assim, entende-se que sua carne é verdadeiramente comida e seu sangue verdadeiramente bebida com o que somos alimentados para a vida eterna. 
  Como Cristo estava presente na ceia era algo que Calvino questionava, aqueles que definiam a real presença de Cristo nos elementos. Outros chegavam a afirmar que Cristo se fazia presente na mesma condição em que esteve na cruz. Outros, ainda defendiam segundo Calvino, a “prodigiosa” transubstanciação, o pão era mesmo o corpo de Cristo, de forma literal. Havia também aqueles que diziam que Cristo estava embaixo do corpo e outros que era somente um símbolo. Para Calvino os elementos da ceia nos leva a Cristo
O erro de Marcião, Calvino faz uma dura critica a visão de um Cristo limitado a um céu e uma terra. De um Cristo despido de uma deidade. Ele defendia que Cristo primeiramente habitava o céu e se tornou homem com toda a humanidade expressada. Não é possível fazer uma divisão entre o corpo material e o espiritual. Cristo era plenamente humano e plenamente divino. Cristo se faz presente hoje tanto no céu como na terra demonstrando seu poder e virtude entre os seus e neles vive e o sustenta e os confirma e os faz crescer. Não seria de outra forma se não estivesse presente corporalmente. Assim Cristo está presente no sacramento e se manifesta em seu corpo e seu sangue. Calvino afirmava que a mesma substância do corpo de Cristo na ceia era o real e natural corpo de Cristo. Quando Cristo diz: “que este é o meu corpo e isto é o meu sangue” pode ser entendido como um ato de fé, que nos alimenta ricamente e abundantemente mediante a participação do corpo de Cristo. 
Adoração do Corpo do Senhor no sacramento. Na visão em que o pão e o vinho eram de fato o corpo e o sangue de Cristo. Ficava fácil compreender a adoração que se fazia dos elementos. A ceia deveria ser obedecida e não adorada. Aqueles que recebem o sacramento como mandamento do Senhor o fazem sem nenhum tipo de adoração, sem se apartar dos mandamentos de Deus. Os apóstolos seriam um claro exemplo na forma em que eles participaram da ceia, não ajoelhados, mas recostados. Os que praticam tal adoração não podem fazer uso da Palavra de Deus, ela não dá base de tal interpretação. Os autores de tais pensamentos defendem o erro. Não seria mais lógico adorar a Cristo, aquele que esta presente à direita da glória do Pai ao invés de se adorar os elementos do sacramento?  Os que agem assim ou defendem estes pensamentos erram contra as escrituras. Estão abandonados em seus loucos pensamentos e se afastam de Deus. Cometem um duplo pecado: dão mais honra a criatura do que ao criador e danificam o benefício da ceia. A interpretação correta do corpo do Senhor evitaria a adoração dos elementos da ceia. Nós firmamo-nos na santa doutrina de Deus.
A ceia como confissão e exortação, expressada no recordar quão grande é a bondade de Deus representada neste sacramento. Isto nos leva a relembrar e nos admoestar nossa ingratidão diante de tão grande benefício. Este é o ensino básico da ceia: “em memória de mim”
A ceia como vínculo de caridade, em Coríntios 10:16,17; assim como nós participamos de um pão, somos um corpo. Que nenhum de nossos irmãos seja por nós feridos, traídos, ou qualquer coisa semelhante sem que depreciemos o próprio Cristo, se nos apartamos dos irmãos nos apartamos do Senhor. Não podemos amar o Senhor se não amarmos nossos irmãos, pois somos membros de um corpo, o corpo de Cristo. Como Agostinho chamava, Calvino também dizia que o sacramento da ceia é o vínculo do amor, um só pensamento.  
Os que comem indignamente. Da forma como a ceia é vista, como ato sagrado, um pão e vinho como alimentos espirituais, suaves e delicados para aquele a quem Cristo manifestou e que recebido com ações de graça, pode se tornar em um grave veneno. Mortífero para aqueles em que a fé de nada se aproveita, pois comem e bebem para sua própria condenação. Os homens sem fé, sem caridade que se atrevem a participar da ceia como a animais imundos, não conseguem discernir o corpo do Senhor. Tornam-se réus, dignos de receberem a condenação de seus atos. Para evitar tal problema Paulo manda que o homem se examine a si mesmo e se for o caso que se prive de participar da ceia.  
Devem comungar somente os perfeitos?  Na época de Calvino havia aqueles que defendiam que só deveriam participar da ceia aqueles que agiam com dignidade. Este pensamento criava uma tormenta nas consciências de muitos.  O dignamente era estar em estado de graça, ou seja, viver puro e sem pecado, algo impossível para Calvino. Todo o esforço humano não nos conduz a um estado melhor. A guardar de conceitos não são suficientes para pobres e débeis pecadores. Nós nunca poderemos conservar na condição de dignidade por muito tempo. A doutrina estabelecida na verdade coíbe os necessitados o consolo da ceia. Novamente Calvino vê o pensamento como um erro, algo criado pelo Diabo. Muitos crêem que os elementos da ceia são milagrosos, Calvino pensava a ceia como medicina para os enfermos, riqueza para os pobres e sem a ceia nós desfalecemos, seja que condição estivermos. O que nos pode tornar dignos da ceia e a misericórdia de Deus. Nos humilhemos e Ele nos levantará e nos justificará. Devemos apresentar a Deus nossa imperfeição para Deus nos torna perfeitos e dignos. Assim também erram aqueles que atribuem a dignidade a fé e o amor, pelo mesmo motivo acima descrito. O sacramento da ceia não foi instituido para os perfeitos, mas para os imperfeitos, para os doentes, para os débeis para que a fé e o amor seja estimulado e exercido pelos crentes.
O uso freqüente da ceia. A mesma não foi instituída a ser realizada apenas uma vez ao ano.  A ceia nos foi trazida como memória do sacrifício de Cristo, e esta memória deve ser constante na vida dos cristãos. Só a memória pode sustentar e fortalecer a fé, animando os crentes a confessar a Cristo com seus lábios, engrandecer sua bondade e se alimentarem com amor e testificarem juntamente a união do corpo de Cristo, estimulando uns aos outros a cuidarem de seus irmãos. A participação uma só vez ao ano, segundo Calvino era uma invenção do Diabo que foi introduzida na igreja. Ele cita Zeferino provável autor de tal pensamento. A participação uma vez ao ano liberava o povo a viverem de forma dissoluta o restante do ano. Calvino dizia que ao menos uma vez por semana a igreja deveria partir o pão e tomar o vinho para recordar as promessas de Deus.
A não participação de um dos elementos, o vinho. Outra invenção que tem privado o povo de Deus em participar plenamente dos elementos da ceia. O vinho se torna reservado onde poucos têm acesso a este elemento, sendo proibido a laicos e a leigos. Contrariando ao escrito “que todos bebam”.  Tentando justificar seu ato claro de desobediência a Palavra de Deus dizem que a participação de um só elemento é suficiente, se participam do corpo, participam de tudo já que do corpo não pode se separar seus elementos, logo o corpo contém o sangue. O Senhor ao instituir a ceia não fez esta analogia, ao contrário mostrou o pão, o corpo e semelhantemente mostrou o cálice, seu sangue. A razão humana consegue distorcer o que Cristo disse, dizendo que o corpo é sangue. Como se o Cristo não houvesse realizado tal distinção. Deus em forma humana realmente continha o sangue em sua carne, porém o ensinamento não foi neste sentido. Calvino chama estes desordeiros de ministros de Satanás, que diziam que apenas os apóstolos participaram da ceia, simbolizando a ordem, falsa, dos sacerdotes como os que estariam aptos a participar dos elementos.
Conclusão
A ceia para Calvino era uma forma de levar o povo diante de Cristo para d’Ele se alimentarem, um alimento suave e delicado. A Ceia deve nos levar à busca da verdadeira comunhão com Deus, a suplica do perdão, ao sincero arrependimento e a participação. Ao contrário de diversos pensamentos, a Ceia não pode ser um envolvimento típico emocional e nem depende daquele que o celebra. Os diversos erros de interpretação da ceia impedem o crente de viver a plenitude da graça de participar da mesa do Senhor.
Os debates sobre quem está com a razão permanecem. A leitura e as interpretações dão origem a formas de celebração da eucaristia. Talvez o fator determinante não seja bem o formato, mas sim o espírito da celebração.




Bibliografia
CALVINO, João. As Institutas ou Tratado da Religião Cristã. Trad. Waldyr Carvalho Luz Local: São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989. pp. 339-386
CALVINO, Juan. Institución de la Religión Cristiana. Trad. Jacinto Teran Local: Buenos Aires: Libreria La Aurora, 1936. pp. 168-188.
GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. Trad. Gérson Dudus & Valéria Fontana Local: São Paulo: Vida Nova, 1993. pp. 48, 152-158, 182, 236-238, 315-317.
SANCHES, Júlio Oliveira. Ortodoxia Batista. Local: São Paulo: Livraria Reencontro, 1986. pp. 63-75.
STROHL, Henri. O Pensamento da Reforma. Trad. Aharon Sapsczian. Local: São Paulo: ASTE, 1963. p. 230


[1] GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. Trad. Gérson Dudus & Valéria Fontana Local: São Paulo: Vida Nova, 1993. p. 315
[2] Doutrina chamada Consubstanciação – posição defendida pela igreja Luterana e Anglicana, crêem que as substâncias do corpo e do sangue do corpo e do sangue de Cristo estão presentes nos elementos e passam aos participantes ao ingeri-las. O pão é pão enquanto na mesa, mas ao contatar com a língua e o estomago do participante se transforma em corpo real de Cristo, bem assim o sangue.
[3] A posição Memorial – os elementos são comemorativos e não transmitem graça ou benefício algum. A ceia se torna uma lembrança do sacrifício de Cristo. O participante não participa para obter comunhão, ele já tem comunhão.
[4] Doutrina chamada de Transubstanciação – pela consagração do pão e do vinho na eucaristia, a substância dos elementos é convertida na substância do corpo e do sangue de Cristo. A crença na substanciação foi definida como de fide, no IV Concílio Laterano, em 1215. Foi reafirmada como ensino oficial da Igreja Católica no Concílio de Trento.

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