quarta-feira, 8 de maio de 2013

A Construção Pedagógica - Comenuis


“Didática magna que mostra a arte universal de ensinar tudo a todos, ou seja, o modo certo, e excelente para criar em todas as comunidades, cidades ou vilarejos de qualquer reino cristão, escolas tais que a juventude dos dois sexos, sem excluir ninguém, possa receber uma formação em letras, ser aprimorada nos costumes, educada para a piedade e, assim, nos anos da primeira juventude, receba a instrução sobre o que é a vida presente e futura, de maneira sintética, agradável e sólida. Os princípios de tudo o que se aconselha são extraídos da própria natureza das coisas; a verdade é demonstrada através de exemplos paralelos das artes mecânicas a ordem (dos estudos) é disposta segundo anos, meses dias, horas; o caminho, enfim fácil e seguro, é mostrado para pôr essas coisas em prática com bom êxito”.[1]
No século XVII, Comenius concebeu uma teoria humanista e espiritualista da formação do homem que resultou em propostas pedagógicas hoje consagradas ou tidas como muito avançadas para sua época. Porém, não é possível compreender a construção pedagógica[2] de Comenius sem entender seus pressupostos de vida, crença e fé[3]. Para ele não havia separação entre a ciência e religião. Não poderia haver educação sem o senso de Deus. O objetivo central da educação de Comenius era formar o bom cristão, sábio nos pensamentos, dotado de verdadeira fé em Deus e capaz de praticar ações virtuosas, estendendo-se a todos[4] e todas, sem exceções ou exclusões, um defensor da democratização do ensino: voltado para todos sem distinção de raça, sexo e classe social, estendendo-se a todos. Os pobres, os portadores de deficiências, os ricos, às mulheres - em uma época em que os estudos eram dirigidos apenas a uma elite de pouquíssimos privilegiados. A unidade da igreja morávia estava baseada na educação de todos: crianças e adultos, homens e mulheres. A educação como um traço dos mais fortes. Todos educavam todos, a educação era assunto de toda a comunidade, sendo também uma responsabilidade da sociedade. O objetivo era o caráter cristão. O processo de educar não deveria ser uma tarefa específica somente da escola, porém Comenius defendia uma escola de tempo integral para os jovens e sustentava que eles deveriam ser educados tanto em sua cultura nativa como na cultura européia.
Os contatos com outros pensadores e outras produções literárias foram fundamentais para que as idéias de Comenius fossem ampliadas, entre elas estavam: o respeito ao estágio de desenvolvimento da criança no processo de aprendizagem (salientava a importância da  educação formal de crianças pequenas e preconizou a criação de escolas maternais por toda parte, pois deste modo às crianças teriam oportunidades de adquirir desde cedo as noções elementares das ciências que estudariam mais tarde, a construção da infância moderna já como forma de ensinamento dessa infância por meio da escolaridade formal; uma aliança entre a família e a escola por meio da qual a criança vai se soltando a influência da órbita familiar para a órbita escolar; uma forma  de organização da transmissão dos saberes baseada no método de instrução simultânea, agrupando-se os alunos e, não menos importante, a construção de um lugar de educador, de mestre, reservado para o adulto portador de um saber legítimo). A construção do conhecimento através da experiência, da observação e da ação e uma educação sem punição, mas com diálogo, exemplo, e ambiente adequado. A necessidade da interdisciplinaridade, da afetividade do educador e de um ambiente escolar arejado, bonito, com espaço livre e ecológico, coerência de propósitos educacionais entre família e escola, desenvolvimento do raciocínio lógico e do espírito científico e a formação do homem religioso, social, político, racional, afetivo e moral. Entendia a escola como um lugar importante da educação do ser, sintetizando seus ideais educativos na máxima: “Ensinar tudo[5] a todos”, e que para ele, significava os fundamentos e princípios que permitiriam ao homem se colocar no mundo não apenas como espectador, mas como sujeito. Era formar bom cristão que deveria ser sábio nos pensamentos, dotado de verdadeira fé em Deus e capaz de praticar ações virtuosas. A interdisciplinaridade era uma questão levada em consideração, além da coerência das propostas de ensino envolvendo comunidade e escola, desenvolvimento do raciocínio lógico e formação religiosa, social e política.
Na Didática[6] Magna, propõe um sistema educativo a ser aplicado da infância aos estudos pós-universitários, ensinar da maneira certa. A doutrina filosófica de Comenius, à qual ele deu o nome de pansofia – todo o mundo é uma escola - propõe a universalização do saber e a supressão dos conflitos religiosos e políticos. No que diz respeito à Educação o ideal pansófico – tudo, todos e totalmente - evidencia-se no desejo e possibilidades de ensinar tudo e todos[7]. Através dela se constrói a consolidação da paz na humanidade. Esta necessidade se forjava e se sustentava na crença de que Deus, em sua infinita bondade, colocara a redenção ao alcance da maioria dos seres humanos, mas para tanto era necessário educá-los convenientemente. Dizendo em outras palavras, negar oportunidades educacionais era antes ofender a Deus do que aos homens. A pansofia constitui uma forma de organização do saber, um projeto educativo e um ideal de vida, pelo qual todo o conhecimento poderia ser harmonizado, acreditando que o homem poderia ser ensinado a ver a harmonia que é subjacente ao universo e assim superar sua aparente desarmonia. Para que se obtenha esse ideal o processo a ser desenvolvido é a Pampaedia[8], ou educação universal através da qual se conseguirá a reforma global das “coisas humanas” - onde toda a vida humana consiste em uma escola - e um mundo perfeito, ou Panorthosia.
O método[9] deve seguir os seguintes momentos: tudo o que se deve saber deve ser ensinado; qualquer coisa que se ensine deverá ser ensinada em sua aplicação prática, no seu uso definido; deve ensinar-se de maneira direta e clara; ensinar a verdadeira natureza das coisas, partindo de suas causas; explicar primeiro os princípios gerais; ensinar as coisas em seu devido tempo; não abandonar nenhum assunto até sua perfeita compreensão; dar a devida importância às diferenças que existem entre as coisas. – unidos e sistematizados numa ciência universal. Para Comenius a significação está sempre no todo, e ao mesmo tempo, nas partes. De uma universalidade relativa do ensino para uma universalidade absoluta na educação tendo como conseqüência à reforma do conhecimento humano e da educação. Suas concepções teóricas apresentavam consistência na articulação entre suas diversas facetas: do filosófico ao religioso, passando  pela organização e divulgação do saber, pelo processo educativo de todos, e pela reforma da sociedade. Comenius aponta a constante busca do desenvolvimento do indivíduo e do grupo, um melhor conhecimento de si mesmo e uma melhor capacidade de autocrítica levam a uma melhor vida comunitária, assim como deve haver a solidez moral que pode ser conseguida por meio da educação. Para ele, didática é ao mesmo tempo processo e tratado: é tanto o ato como a arte de ensinar. A arte de ensinar é sublime, pois, destina-se a formar o homem. É uma ação do professor no aluno, tornando-o diferente do que era antes. Ensinar pressupõe o conteúdo a ser transmitido, e eles são postos pela própria natureza[10]: são a instrução, a moral e a religião. O conhecimento que temos da natureza serve de modelo para a exploração e conhecimento de nós próprios. Sua proposta pedagógica dirige-se, sobretudo à razão humana, convocando-a a assumir uma atitude de pesquisa diante do universo e de visão integrada das coisas. Pretendia que o homem deve ser educado com vistas à eternidade, pois, sendo Espírito imortal, sua educação deveria transcender a mera realização terrena. Comenius defendia a idéia de que a aprendizagem se iniciava pelos sentidos - atribuía grande importância aos sentidos e à experiência, pois as  impressões sensoriais obtidas através  da experiência com objetos seriam internalizadas e, mais tarde, interpretadas pela razão. Seu método didático constituiu-se basicamente de três elementos: compreensão, retenção e práticas. Através delas se pode chegar a três qualidades fundamentais: erudição, virtude e religião, a quais correspondem três faculdades que é preciso adquirir: intelecto, vontade e memória.
  A reforma do sistema educacional haveria de requerer primeiro uma revolução nos métodos de ensino de modo que o aprendizado pudesse ser rápido, agradável, e completo. Os professores deveriam seguir os passos da natureza, significando que eles deveriam prestar atenção à mente das crianças e ao modo como os estudantes aprendem. Comenius fez disto o tema de “The Great Didactic” e também de “The School of Infancy”, um livro para as mães a respeito dos primeiros anos da infância. O livro, “Orbis Sensualium Pictus” – “O mundo visível em pinturas”, ficou popular na Europa por dois séculos e foi o precursor dos livros escolares ilustrados modernos. Para Comenius uma criança deveria ser educada antes do seu nascimento, no período de gestação a mãe deveria estar sempre ocupada e feliz, ser moderada na comida, evitar qualquer tipo de preocupação e se relacionar bem com Deus através de orações, dessa forma, acreditava ele que a criança viria ao mundo fortalecida, equipada para as batalhas da vida. Para as mães escreveu um livro intitulado de “Escola de Infância”, na Boêmia é um tesouro doméstico, considerado por Comenius um trabalho de grande importância. Sua proposta: O que seria da educação da criança se essa educação não fosse iniciada pela própria mãe, principalmente nos seis primeiros anos de vida. A educação dessa criança poderia ser dada da seguinte forma: Na área da física, controlando objetos. Na ótica trabalhando com cores, luz, escuridão. Em astronomia, estudando as estrelas. Na geografia, caminhando pelas ruas e colinas. Cronologia, aprendendo as horas, dias e meses. Em história através de conversas em eventos locais. Em geometria, medindo coisas. Mecânica, construindo brinquedos. Na estática, conscientização do próprio equilíbrio. Na dialética, fazendo perguntas. Sobre economia, observando a habilidade da mãe na administração do lar. Na música e poesia, cantando salmos e hinos. Ainda para Comenius os brinquedos tinham relevância como instrumento de educação. Para que pudessem ser educadas também na cultura européia as crianças precisariam aprender latim. A tradição de João Huss defendia que a reforma religiosa deve passar necessariamente pela língua e cultura local. Com a tradição hussita, a importância da língua era fundamental para Comenius. Sua obra neste sentido foi “Janua Linguarum Reserata”, O Portão de Idiomas Destrancou, que faz referência à nova forma de aprender idiomas. Traduzido em quinze idiomas diferentes, proporcionando aos estudantes facilidade na aprendizagem em particular do latim. Chamado também de o “Pai da Escola Primária” defendeu seus princípios para a língua materna, durante seis ou oito anos o aluno deveria ouvir somente seu idioma, e sua atenção deveria estar voltada para o estudo da natureza, o caminho natural, que consistia em aprender a respeito das coisas e não gramática. Colocava em sua gramática a praticidade do método, assegurado a prática em primeiro lugar, e depois a teoria. Para esse fim ele compilou um manual que descrevia fatos úteis a respeito do mundo em latim e checo lado a lado. Assim os alunos podiam comparar as duas línguas e identificar as palavras com as coisas.
Concluímos em afirmar que sua pedagogia, apesar de conter pontos utópicos, mostra-se relevante pela sua influência causada na ciência do ensino, no aqui, e no agora.
“A prosperidade de uma cidade não reside no fato de juntar grandes tesouros, de construir sólidas fortalezas e belas casas, de fabricar muitas armas de fogo e armaduras (...) para uma cidade, o que representa a mais bela e maior das prosperidades é contar com muitos cidadãos eruditos, inteligentes, honrados e bem educados que possam em seguida juntar, conservar e utilizar bem os tesouros e os bens”.


[1] COMENIUS. Didática Magna. Trad. Ivone Castilho Benedetti. 2a. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 11
[2] Os modelos da didática de Comenius se baseiam na natureza, no relógio e na tipografia. GASPARIN, João Luis. Comenio ou da arte de ensinar tudo a todos. Campinas: Papirus, 1994. Coleção Magistério, formação e trabalho pedagógico. p. 75-91. 
[3] para melhor compreensão da vida de Comenius consulte o primeiro capítulo este trabalho.
[4] Já que Comenius partia do tudo para todos porque reduz sua aplicação a apenas aos reinos cristãos? Não seria este ato por si só uma forma de exclusão indo de encontro ao seu próprio discurso?
[5] O “tudo” de Comenius tem um fim em si mesmo? Haveria a clara possibilidade de esgotar o conhecimento humano? O próprio Comenius dava pistas que o saber se constrói e reconstrói a medida em que o homem se aprofunda na descoberta do saber, portanto o “tudo” pode ser considerado relativo.
[6] Didática significa arte de ensinar, ou método de ensino.
[7] Baseava-se em três princípios: 1) analogia com o método natural; 2) caráter gradual e cíclico do ensino; e 3) vínculo entra palavras e coisas, tudo deve partir do sensível e do sabido, indo do conhecido para o desconhecido (...). Didática Magna. p. 9.
[8] Segundo Gasparin, a Pampaedia tem a função de reformar a sociedade humana através da educação, enquanto a Didática Magna se propõe a reformar apenas a educação. p. 42
[9] “Não se consegue de uma só semente produzir a mesma árvore? De um só método farei alunos capazes!”.
[10] Segundo Comenius “o que é natural anda por seu próprio impulso”.  COVELLO, Sérgio Carlos. Comenius: A construção da pedagogia. São Paulo: Ed. Sociedade Educacional João Amós Comenius, 1991. p. 25.

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