O
cosmo protestante tem forte tendência em valorizar seus líderes, principalmente
pastores. Eles são muito importantes para suas comunidades e algumas delas, o
idolatram. Umas tendem a girar em torno dele, como um astro que ilumina a
todos.
A família pastoral não se inclui na mesma
relação pastor-comunidade. Apesar de ser incluída no trabalho pastoral, ela não
participa dos benefícios, normalmente só o pastor leva os méritos dos
resultados.
Mesmo o pastor sendo o contratado, a comunidade
entende que sua família é co-contratada, e possuidora de diversas
responsabilidades.
O objetivo deste Trabalho de Conclusão de
Curso é identificar causas que no exercício do ministério pastoral ocasionam
conflitos no interior da família pastoral. Pretendemos no primeiro capítulo e
no restante do trabalho fornecer as bases necessárias, utilizando-se de fontes
primárias, baseadas em documentos da Igreja Batista, para a compreensão do
contexto da família pastoral Batista. Serão estabelecidos os pressupostos da
Igreja Batista: sua origem, sua chegada ao Brasil, sua identidade, a membresia,
suas diferenças, as missões, os fundamentalistas. No segundo momento o tema da
vocação pastoral: os princípios da vocação, a vocação a partir das Escrituras,
a autoridade, a diversificação da vocação, consagração do pastor. Para tanto,
serão utilizados documentos da Igreja Batista. Após levantamento realizado percebe-se
quase a inexistência de literatura denominacional que tratem de forma direta a
questão das dificuldades da família pastoral. O contexto da estrutura familiar
é o terceiro tema deste capítulo: A família como um agente em transformação, em
uma visão macro e micro na sociedade onde se insere.
No segundo capítulo se identificará as causas
geradoras de tensões e conflitos no interior da família pastoral. Como as
relações entre a comunidade, esposa, filhos e filhas são influenciados uns
pelos outros. Será enfocado: a família pastoral em seus aspectos históricos, a
família pastoral batista, a esposa do pastor, a comunidade, o pastor, as
finanças, os filhos e filhas, a itinerância, a ausência de identidade, e a sexualidade.
No terceiro e último capítulo serão
construídas as contribuições para lidar com os desafios e as dificuldades que a
família têm pelos diferentes papéis do pai, esposo e pastor. Também será focado
as transformações na Igreja Batista, na família, na vocação pastoral, na vida
da esposa, dos filhos/as, nas diversas relações, na vida da comunidade e na do
pastor.
Espera-se que no final deste trabalho possa se identificar pontos de
tensões e conflitos inerentes a vida da família pastoral, surgidas a partir da
comunidade. Outra proposta é entender a forma da Igreja Batista relacionar os diversos
aspectos na vida da comunidade e como ela lida com seu pastor e sua família.
Apesar do estudo trabalhar a comunidade batista, este é um tema presente nas
diferentes denominações protestantes de perfil histórico.
O desafio desse estudo é a proposta em
contribuir acerca de reflexão da relação entre a comunidade e família pastoral
pentecostal e neo-pentecostal. A partir daí pensar formas relacionais mais
justas e saudáveis que permitam a família pastoral viver em comunidade.
Capítulo I - Igreja, vocação e família
1. A
Igreja Batista[1]
1.1 A
Origem
Situar o início da Igreja Batista é extremamente difícil.
As razões são as mais diversas: 1. os batistas normalmente não se vêem como uma
igreja que surge a partir da Reforma, realizada no início do século XVI. 2.
Muitos batistas acreditam e se sentem como descendentes diretos dos movimentos Ana batistas, surgidos antes da Reforma Protestante.
3. Outros, se identificam com os diversos movimentos religiosos que existiram
desde o início da Igreja Cristã Primitiva,
principalmente os movimentos tidos como
marginais a partir da união entre a Igreja e o Estado, com Constantino no ano
325 dc.
Esses movimentos perduraram por todo estes anos, até a
Reforma, acreditando-se manterem-se fiéis aos princípios dos evangelhos, apesar
de diversas perseguições. 4. Poucos são aqueles que entendem ser a Igreja
Batista apenas mais uma criada a partir da herança protestante.[2]
Como toda e qualquer denominação evangélica, a Igreja
Batista subdivide-se em diversos grupos, tanto no Brasil como no exterior. Os
primeiros crentes batistas a chegarem ao Brasil, se estabeleceram na atual
cidade de Americana, no interior de São Paulo. A comunidade era composta
integralmente de batistas norte-americanos, derrotados, vindos do sul dos
Estados Unidos, em fuga da guerra civil norte-americana, em busca de refúgio em um Brasil , que na época
era escravocrata, idéia defendida e apoiada pela maioria branca situada na
região sul dos Estados Unidos, inclusive por muitos batistas.
1.2 As Missões Norte Americanas
Os primeiros missionários norte americanos chegaram ao
Brasil no final do século XVIII, enviados pela Convenção Batista do Sul dos
Estados Unidos. A primeira Igreja Batista organizada em solo brasileiro está
situada na cidade de Salvador, no estado da Bahia, onde lá se encontra até
hoje. Outros grupos batistas[3] chegaram
posteriormente. Os batistas de posição teológica fundamentalista (denominados
batistas bíblicos, regulares e independentes) começaram a chegar ao Brasil, na
segunda metade do século XX, devido a um forte movimento das chamadas missões
norte-americanas de princípios puritanos e pietistas que tanto marcaram as
Igrejas batistas e outras Igrejas históricas.
1.3 A
Identidade
A marca da identidade batista, independente dos grupos,
está na forma comum de entender os princípios bíblicos da fé cristã. No
entendimento batista, a máxima autoridade espiritual está nas Escrituras
Sagradas, e esta se configura como guia de fé e prática de vida cristã da
comunidade Batista. Ferreira define uma Igreja Batista a partir de doze pontos[4]:
“1. é uma congregação local, composta de membros regenerados
e batizados, que, voluntariamente, se reúnem, sob as leis de Cristo, e procuram
estender o Reino de Deus não só em suas vidas, mas nas de outros";
2. Cristo é o cabeça,
e seu único chefe supremo;
3. em matéria de fé e
prática, a Igreja se subordina, unicamente, às Santas Escrituras;
4. uma Igreja é
absolutamente livre e independente, não se sujeitando hierarquicamente, ou de
qualquer outra forma, a nenhuma organização denominacional;
5. uma Igreja Batista é completamente competente para dirigir
seus próprios atos e ações de acordo com os ensinos de Cristo;
6. o governo da Igreja
é democrático. Cabe à congregação julgar os seus próprios atos;
8. todos os membros possuem direitos e privilégios iguais;
9. cada cristão é o
seu próprio sacerdote;
10. cada cristão tem completa liberdade de consciência;
11. uma Igreja Batista não possui sacramentos, mas aceita o
batismo e a Ceia como “ordenanças”;
12. o pastor e os diáconos, como oficiais bíblicos, não tem
autoridade sobre a Igreja, a não ser aquela da sua vida moral ilibada. Eles são
servos dela”.
Outra característica que define uma Igreja Batista está na
aceitação e no cumprimento dos sete distintivos das Igrejas Batistas, cuja
origem não pode ser estabelecida, mas sua aplicação é histórica e aceita em
todas as comunidades batistas:
“1. A
Bíblia é a nossa única regra de fé e prática.
3. Nossa profissão de fé é o batismo por imersão após
conversão.
4. Cada crente é um sacerdote.
7. O Estado e a Igreja devem ser separados”.
Ainda podemos citar, a partir de Ferreira[6] algumas
doutrinas que distinguem os Batistas de outras expressões religiosas:
“1. A
soberania de Cristo – Fp 2.10-11;
4. Uma igreja que se compõe de membros convertidos – At 2.47;
5. Uma igreja democrática, onde todos têm os mesmos
privilégios, direitos e responsabilidades;
6. O batismo e a Ceia são considerados ordenanças e não
sacramentos;
7. O batismo só é ministrado aos convertidos – At 8.12;
8. O batismo só acontece por imersão – Mt 3.16 At 8.38 Rm
6.4,5;
11. Os batistas crêem na perseverança e preservação da
salvação – II Tm 1.12 Pv 24.16 e Jô 17.9;
12. Os batistas defendem a liberdade religiosa.”
1.4 O Acesso a Igreja – Membresia
A forma de aceitação de um novo
membro na Comunidade Batista se dá exclusivamente através do batismo, por
imersão. Dificilmente uma Igreja Batista aceitará um novo membro sem antes ter
sido batizado desta maneira. Ferreira[7] ainda
nos indica a forma de participação da comunidade batista:
“1. requisito espiritual, que se dá mediante arrependimento e
conversão Mt 3.1;
2. requisito social, mediante a apresentação do seu desejo de
se unir à comunidade e na dependência da concordância da comunidade;
3. requisito formal, o ingresso a uma igreja batista só pode
acontecer através do batismo”.
Outra forma de participação se dá mediante a concessão de
cartas de transferências entre Igrejas Batistas, de preferência da mesma fé e
ordem. A reconciliação após o membro ter sido excluído de sua comunidade, é
possível, mediante um sincero arrependimento do motivo que determinou sua
exclusão. Uma outra forma, muito rara, é a aceitação de um novo membro,
mediante aclamação. A forma de um membro desligar-se da Igreja Batista, pode
acontecer: 1. mediante exclusão, com base em disciplina bíblica; 2. por morte
do membro; e 3. por carta de transferência dirigida obrigatoriamente a outra
Igreja Batista, de preferência da mesma fé e ordem.
1.5 As Diferenças
A diferença dos Batistas em relação a outros grupos
evangélicos está na forma de interpretar e aplicar a Bíblia e a obra de Jesus
Cristo. Claro que muitos princípios de fé e doutrinas batistas também são
defendidos por outros grupos evangélicos, assim podemos dizer que há grupos
religiosos mais próximos ou mais distantes da forma Batista de interpretar e
viver as escrituras.
Outra característica que molda a denominação batista está
no entender a igreja como um organismo vivo, local, congregacional, totalmente
autônoma, auto-governável, democrática e auto-sustentável. As assembléias
locais, realizadas nas Igrejas Batistas é a única autoridade humana da igreja[8].
Ferreira faz a seguinte declaração[9]:
“Os batistas adotam a forma do governo congregacional, que é
a encontrada na Bíblia. Ninguém é chefe. Ninguém manda. À congregação cabe o
direito de gerir os seus negócios dentro da pura democracia. Em suas relações
para com Deus, a igreja é uma teocracia. Em suas relações para com seus membros,
é uma democracia. São os crentes que decidem, em assembléias, respeitam a
decisão da maioria e aceitam a decisão da igreja como ação final.”
Esta forma de governo presente em uma Igreja Batista ,
juntamente com os princípios intrínsecos do batismo, são duas características
marcantes de sua identidade. De fato, na Igreja Batista não há um dono. É a
comunidade que se auto-governa em uma instituição eclesiástica de governo
congregacional.
1.6 As Missões
Os batistas em sua maioria, e quando mais tradicional
estiver em relação aos princípios doutrinários, e de costumes, entenderá que o
papel missionário é a evangelização de todo/a aquele/a cuja expressão religiosa
não seja evangélica, ou de perfil protestante. A obra
missionária é um desafio sempre
presente e desafiador na agenda batista, é uma das tarefa urgentes a serem cumpridas. O
evangelizar é um verbo sempre presente nas igrejas batistas, visando à
obediência na Ordem de Jesus conforme encontramos em Mateus 28.19,20. Para os
batistas, as missões se dão em todas as frentes possíveis: locais, regionais,
estaduais, nacionais e estrangeiras com consonância em Atos 1.8. Há um forte
enfoque proselitista em sua essência missionária.
1.7 Os Fundamentalistas
O movimento batista fundamentalista se coloca nos
primórdios do século XIX, quando do surgimento da teologia fundamentalista em
forte reação contrária a teologia liberal, de origem alemã, colocando
questionamentos sobre os princípios básicos da fé cristã. Os batistas de modo
geral assumem a apologia das doutrinas básicas da fé cristã. Claro que exceções existem em todos os
segmentos. As denominações Batistas como a Convenção Batista Nacional, e os
Batistas Independentes Filadélfia são exemplos claros da diversidade religiosa.
Estas Igrejas professam os princípios básicos batistas, mas o sincretismo
religioso mistura tais princípios com o movimento pentecostal. O sincretismo
nunca cessa, hoje existem grupos batistas envolvidos com diversos movimentos
como G12, ministério de Adoração e Louvor, ecumenismo, guarda do sábado, entre
outros. O surgimento da posição fundamentalista permitiu uma clara identidade
de valores religiosos para as comunidades, fruto das divisões. É clara sua
posição sobre muitos assuntos, pois elas são as mesmas há muitos anos. Outra
característica que marca a Igreja Batista no Brasil está em manter um forte sentimento
anti-ecumênico[10].
São pouquíssimas as igrejas alinhadas com o movimento ecumênico, e quando uma
Igreja Batista se posiciona a favor, automaticamente, ela e seu pastor são excluídos
da convivência entre as demais igrejas da mesma fé e ordem.
2. A Vocação pastoral
2.1 Princípios da Vocação
A complexidade que envolve o chamado, a vocação, não reside
diretamente sobre o chamamento em si, mas na maneira em que o ser humano reage
e responde a este chamado através do seu ser e na forma de agir.
O que podemos considerar como vocação atualmente?
Percebemos um grande aumento do número de pastores surgindo diariamente, e na
Igreja Batista isto não é diferente. Há no estado de São Paulo mais pastores
Batistas desempregados que Igrejas Batistas sem pastores que possam
absorvê-los. Os números de seminaristas aumentam consideravelmente a cada ano,
em seminários e nas escolas teológicas. O número de escolas teológicas – de conteúdo
“duvidoso” e que se dizem ser de boa formação teológica – multiplicam-se com
mais variados nomes, formas, e modelos. A impressão que o ethos religioso passa
é que cada vez mais, o pastorado está deixando de ser uma vocação que parte do
Sagrado, para se transformar em uma ambiciosa profissão[11].
Torna-se claro que aqueles que não conseguiram uma posição profissional, ou que
amargam insucessos, ou mesmo um negócio que não deu certo, voltam seus olhares
para o exercício de um pastorado. Para muitos deles é mais um meio de ganhar o
sustento, que não exige uma profunda experiência profissional. Muitos não se
dão ao trabalho nem mesmo em obter um preparo teológico, e para os empreendedores,
com um baixo investimento, é possível iniciar sua própria igreja (negócio).
2.2 A
vocação a partir das Escrituras[12]
Nas Escrituras, principalmente no Novo Testamento
encontramos o verbo kaleo que significa: eu chamo, nomeio, convoco. Na
língua portuguesa define-se vocação como: ato de chamar; escolha, chamamento,
predestinação; tendência, disposição, pendor.[13]
Entende-se que o chamado parte de Deus em direção ao ser humano. Entender que o
chamado poderia surgir a partir do ser humano em direção a Deus seria extrapolar
o sentido divino que a vocação pastoral traz intrinsecamente. Antônio Carlos
Santos chega a definir a vocação como: “A vocação não é na Bíblia um privilégio
individual, uma distinção terminal na pessoa ou no grupo chamado. É um chamado
para integrar-se no processo de missão. É vocação para a missão. É um chamado
para enviar[14]”.
A forma como Deus vocaciona difere no tempo, na história,
na individualidade, na duração, e no objetivo. O ministério pastoral está
direta ou indiretamente ligado a estas formas. Seria um grave erro definir a
vocação como uma tarefa idêntica para todos vocacionados, cada um, em cada
lugar, ocupa um lugar de ser pastor em meio à diversidade humana, seja ela: de
cultura, povo, raça, língua, condição social. Pode-se entender que Deus vocaciona
o homem[15] certo
para o lugar certo. A não compreensão desta premissa pode provocar graves
conseqüências tanto ao Pastor, a sua família e também a Comunidade que lidera.
A diversidade está no plano de Deus, e Ele a utiliza como quer e onde desejar (I
Co 12.4-11, Ef 4.11-12). De jovens a
anciãos, de letrados a boieiros, de pobres a reis, homens são escolhidos,
chamados, vocacionados, cada um com uma missão ao serviço do Reino de Deus[16].
A vocação não é por si mesma uma fonte de respostas e
segurança, principalmente para o vocacionado. Dúvidas, questionamentos,
desapontamentos fazem parte deste processo. Às vezes o exercício do pastorado é
extremamente difícil, e segundo Karl Barth solitário[17]. E
neste exercício, a vocação exige daquele que é chamado muito equilíbrio e
perseverança. As Escrituras demonstram a fragilidade humana quando alguns
homens, vocacionados por Deus, sucumbem diante das circunstâncias e procuram à
solução de suas dificuldades na busca da própria morte. Exemplos desta
realidade podem ser vistas na humanidade de grandes ícones bíblicos como
Moisés, Elias, Jonas, Jeremias, e Jó.
No Novo Testamento a diversidade de vocação era ampla:
apóstolos, profetas, pastores. O Pastor era vocacionado para cuidar e
apascentar o rebanho. Nos dias atuais percebe-se uma mudança da perspectiva da
vocação pastoral e no seu exercício. Nota-se que os locais onde se situam os
vocacionados são muitas vezes locais de acirradas disputas de privilégios,
poder, visibilidade e estabilidade financeira. Fatores que promovem esta mudança
de objetivos poderia ser melhor analisado: de Deus que mudou o objetivo do
exercício do ministério? Ou dos princípios da vocação? Ou do vocacionado, em
meio a tantas pressões geradas por uma sociedade cada vez mais competitiva e
individualista? Ou na concorrência com outros ministérios o vocacionado
sente-se tentado a buscar “novas” formas de pastorear seu rebanho, visando sua
promoção pessoal? Ou na busca de manutenção de seu pastorado junto aos seus
“clientes”, os membros da comunidade?
O cuidar do rebanho tem deixado de ser prioridade, e nem
mesmo modelo de serviço do ministério pastoral. O sucesso esta sobre grandes
realizações materiais, ou na quantidade de gente que possa atrair e
influenciar. Hoje, a grande dificuldade do vocacionado é depender da capacidade
que Deus dá aos seus escolhidos. Ele mesmo disse: “sem mim nada podeis fazer” (Jo
15.4-5).
2.3 Autoridade
A vocação traz consigo a autoridade daquele que chama. Se
Deus chama o vocacionado, este deve falar e agir com a autoridade daquele que o
chamou. Muitos homens nas Escrituras agiram com amor, paciência, porém, nunca
deixaram de exercer a autoridade do autor do chamamento, seja com quem for.
Para a obra de Deus e para executar sua vontade não existe ministério mais ou
menos importante, isto é altamente positivo. O contraponto, porém, está que
existiram e existirão aqueles que determinarão ministérios importantes, e os de
menor valor, apesar do texto de Lucas 4.18, mencionar o contrário.
2.4 A
diversidade da vocação
Os Batistas entendem que no exercício do Pastorado são
aplicáveis três títulos quando se menciona o papel da figura do pastor: por
presbítero entende-se a liderança, por bispo entende-se supervisor do rebanho,
e como pastor aquele que cuida do rebanho de Deus. Estes termos traduzem os
diferentes aspectos do pastoreio batista.
2.5 Consagração
O principal requisito para a Consagração de um pastor Batista
é entender que Deus é quem chama. Outros requisitos, não menos importantes, e
necessários são: experiência de uma conversão genuína; uma vida cristã que
transmita fé, um verdadeiro amor cristão em relação às pessoas, ser humilde,
ter caráter e de testemunho cristão, capacidade intelectual para ensinar e
exortar, e que seja estudioso. Para a Comunidade Batista não há espaço para a
figura da pastora.
A maioria dos grupos Batistas compreende através da
interpretação bíblica, que no pastorado Batista apenas homens são vocacionados.
O estatuto de um grupo Batista ratifica está posição[18]: “Art.
23º - Do Ministério Pastoral: Quanto à ordenação feminina: Cremos que não é
bíblica a prática da ordenação, nomeação ou eleição de mulheres para o ministério
pastoral e diaconal da igreja local. 1 Co. 14.34-37; 1 Tm. 2.11-14” . Esta realidade também se
aplica em relação aos homossexuais, no mesmo trecho do estatuto encontramos:
“Quanto à ordenação de homossexuais: Cremos que não é bíblica a ordenação dos
mesmos ao ministério pastoral e diaconal. Rm.1.27; 1 Co. 6.9; 1 Tm.1.10; 1 Re.14.24”. Quanto à ordenação de
divorciados e re-casados o estatuto menciona: “Cremos que não é bíblica a prática
da ordenação e manutenção de obreiros no ministério pastoral nestas condições.
I Tim. 3:1-7; Tito 1:6-9” .
As igrejas Batistas definem os critérios de ordenação e de
aceitação. No estatuto de uma Igreja Batista em sua Seção 5 destaca[19]:
“Do Pastor: Artigo 30º. O Pastor titular será convidado pela
Igreja, deverá ser qualificado moral, espiritual, e doutrinariamente para seu
ofício de acordo com a declaração doutrinária da igreja, empossado pela
Assembléia Geral, e permanecerá no cargo enquanto bem servir.
Parágrafo 1o. O pastor deverá exercer o seu
ministério com fidelidade doutrinária, e será sustentado na igreja com base nos
princípios da bíblia sagrada.
Parágrafo 2o. O pastor deverá dedicar tempo
adequado à oração e ao preparo, de forma a ser sua mensagem biblicamente
fundamentada, teologicamente correta e claramente transmitida.
Parágrafo 3o. Caberá ao pastor a direção dos atos
de culto, ocupar o púlpito para proferir as mensagens, dirigir a celebração da
ceia do Senhor, realizar batismos, e outras cerimônias, podendo a seu critério
convidar outros pregadores ou pastores da mesma fé e ordem para realizá-las, ou
aprovar, nomes porventura indicados por membros da igreja.
Parágrafo 4º. Para o exercício de suas atividades pastorais,
o Pastor receberá uma prebenda a ser fixada pela Diretoria da Igreja.
Parágrafo 5º. Em caso de vacância do cargo, o Conselho
Ministerial estudará a questão e em conjunto com a Comunhão Batista Bíblica
Nacional e/ou Junta ou Comunhão Batista Bíblica Estadual, apresentará o Pastor
à Assembléia com a devida recomendação do Comitê de Ética estadual ou nacional.
Parágrafo 6º. Configurado o estatuto no art. 22º, parágrafo
único, a prebenda do Pastor não representará pagamento pelo exercício da
Presidência, e sim pelos serviços pastorais que presta à Igreja.
Parágrafo 7o. A igreja procurará, na medida de
suas possibilidades reajustar o salário do pastor todas as vezes que o salário
mínimo for reajustado, e embora, não tendo ele nenhum vinculo empregatício com
a igreja, também procurará oferecer a ele os mesmos benefícios concedidos por
lei aos outros trabalhadores assalariados, garantindo assim um sustento e
previdência dignos.”
As responsabilidades do Pastor são diversas: guiar e
conduzir a igreja, auxiliar na transformação da sociedade, manter as boas
relações familiares, manter os constantes estudos, realizar as visitas
necessárias, praticar as orações, lutar pela vida, pela liberdade, curar na
busca de restauração, suster, pregar as verdades da palavra de Deus. E tantos outros
compromissos exigem do Pastor um mínimo de equilíbrio, e uma constante espiritualidade,
que lhe seja transformadora, fonte de inspiração, são alguns exemplos. A
Comunidade Batista em seu processo de escolha de um pastor, tende a não levar
em alta consideração a família pastoral.
Diversos pais sejam eles cristãos ou não, participam do
processo de vocação de seus filhos, poucos há que estimulem seus filhos a
exercerem uma vida de serviço cristão. O melhor é que os filhos buscassem
“melhores” profissões. Contudo sempre haverá pais que vêem no exercício do
pastorado um motivo de orgulho em ver seus filhos no serviço de Deus. Nisto
reside também o perigo dos pais influenciarem tantos seus filhos que cedendo às
vontades de seus progenitores ocupam funções clericais, e com o passar do tempo
percebem que estão no lugar errado. Infelizmente para muitos, isto se dá tardiamente.
A vocação nunca deve partir do homem, mas de Deus (I Sm 1.9-28).
Muitos buscam no homem, e tão somente nele as qualidades
que julgam ser necessárias para a boa execução da obra pastoral. Tal ato
demonstra um desprezo camuflado aos demais componentes familiares. Por que isto
acontece? Seria a vocação, o convite de Deus algo exclusivo a um homem em total
desprezo aos demais familiares, ou falta à visão em que a família é também
vocacionada, e a Igreja não percebe o amplo propósito de Deus em utilizar-se de
todos os componentes da família, através da diversidade de cada um? Da individualidade
de cada um, e no conjunto completam a ação do líder maior, no caso o pai Pastor[20].
A vocação pastoral não se dá através da vontade da família,
mas de Deus, porém, se a família não está co-vocacionada com o escolhido, a
chance de ele ser sucedido será bem menor, considerando o estado de sua esposa
e de seus filhos. O chamado de Deus não deve ser visto como um chamado
individual, mas familiar. Querendo ou não, a família fará parte do ministério
pastoral, portanto, a prudência determina a participação de toda família como
um suporte àquele que transmite esperança. A questão poderia ser grandemente
ampliada na suspeita que a vocação familiar seria resultado na pressão de
dependência em relação ao pai provedor. Aquele que é “responsável” pela
manutenção da família impõe ou envolve a família sua vocação. A família teria
um papel fundante em seu ministério, pois envolveria a sobrevivência humana de
seus componentes[21].
Os perigos para quem exerce o pastorado são cada vez
maiores, e exige do vocacionado atenção permanente. A fidelidade e a
integridade devem ser características sine qua non para o exercício do
ministério.
3. A Família
3.1 A
família como um agente em transformação
3.1.1 – Visão Macro.
Soma-se aos itens anteriores a situação da família no contexto atual.
Totalmente desconfigurada dos padrões de algumas décadas atrás. Situada em um
mundo urbano, suas tradições, obtidas a partir do mundo rural desapareceram de
forma muito rápida. Antes, os componentes familiares viviam juntos em
comunidades patriarcais, e a família se submetia a liderança do homem, do pai e
esposo.
Exemplo destas transformações sociais e das estruturas
familiares dá-se na elaboração do Novo Código Civil Brasileiro. As
interpretações sobre a família brasileira foram grandemente alteradas. As
relações do casal foram igualadas em responsabilidades, direitos e deveres. Tal
transformação dá conta das grandes mudanças sociais e das relações que a sociedade
micro e macro estão passando no mundo. No universo relativista em que a sociedade
vive, é necessário estabelecer ações de defesas cada vez mais elaboradas. O ECA
– Estatuto da Criança e Adolescente, e o Estatuto do Idoso são exemplos claros
das novas construções relacionais que podem ser claramente presenciadas na
atualidade. Já no passado havia leis que protegiam as crianças, agora é
necessário ampliar o entendimento desta proteção a partir da realidade atual.
Os filhos estão desvinculados deste novo modelo familiar. As Creches, e
orfanatos para órfãos, e para crianças, cujos pais perderam sua guarda, estão espalhados.
Não conseguem suprir a constante demanda por vagas. Para os excluídos existe a
rua para morar. O Estado procura criar mecanismos para vigiar as relações pais
e filhos. Está mais para punir e forçar, do que oferecer condições para
restabelecer as bases necessárias para a manutenção saudável entre pais e
filhos, principalmente aos de baixa renda, justamente os mais vulneráveis, em
relações estabelecidas por poucos, sobre a vida de muitos. Uma contradição do
poder público na tentativa de se fazer presente no contexto familiar.
Esta contextualização é um desafio para as comunidades
batistas. O desvinculo da igreja com as realidades presentes são tamanhas,
beirando uma total omissão aos acontecimentos mundiais, que desafiam as igrejas
a se fazerem presentes e atuantes neste mundo, no agora.
Com o êxodo rural rumo às cidades, inicia-se os rompimentos
dos clãs familiares. Esta dissociação familiar levou, e leva cada componente da
família a procurar outras tribos onde possam ser aceitos. Ato inconsciente,
porém necessário para a obtenção a uma auto-afirmação e construção de uma
identidade e de individualidade humana. Percebemos isto na busca desenfreada
que os jovens têm em obter uma colocação social. Há tantas possibilidades à
disposição. E a sociedade, através de suas instituições se mantém pronta a
oferecer o máximo aos prováveis consumidores.
Outra forte influência da família contemporânea está em que
à mulher, esposa e mãe, mediante as necessidades financeiras, ou visando uma
vida de independência financeira procurem exercer trabalho remunerado[22]. Este
procedimento deixou de ser um fenômeno. A prática é legitimada pela sociedade e
pela igreja. O ingresso da mulher no mercado de trabalho trouxe mudanças
significativas na estrutura familiar. Hoje é comum encontrar homens em suas
residências, enquanto suas mulheres estão fora, exercendo uma profissão remunerada
e colaborando com o orçamento doméstico, se não a única renda da família.
A mulher do século XXI está cada vez mais presente em todas
as áreas da sociedade brasileira. Com isto sua representatividade e capacidade
de influenciar crescem consideravelmente[23]. Quanto
mais presentes na sociedade, as conquistas femininas tendem a crescer com o
objetivo primeiro em igualar-se aos homens, e posteriormente ocupar espaços
restritos em diversas áreas, inclusive nas institucionais. Este crescimento se
transformará no futuro próximo um problema para a denominação batista, arredia
em permitir que a mulher assuma o pastorado e mesmo áreas de lideranças,
principalmente em comunidades tradicionalistas.
3.1.2. – Visão Micro.
A família pastoral está situada nestes conflitos. Não só a pressão da
sociedade, do mundo secular, mas também da comunidade eclesiástica. O desprezo
à família é notável. Muitas vezes, se há uma atenção à mesma, é para que eles
ocupem um lugar de serviço. Mulheres, filhos, e filhas de pastores são notados
a partir da possibilidade do serviço que pode ser dado para o benefício da
comunidade. O fator utilidade. A comunidade local, de forma inconsciente ou
não, tende copiar os modelos da sociedade estabelecida. Para estas comunidades,
servem aqueles e aquelas que podem oferecer algo, ou os potenciais consumidores
de produtos e serviços que a mesma sociedade pode oferecer.
Claro que esta visão, legitimada pela Igreja, envolve a
família pastoral. É comum encontrar diversas esposas exercendo trabalho
remunerado. Isto acarreta à figura do pastor uma carga maior de trabalho. Assim
seu foco deixa de ser exclusivamente o pastorado, dividindo suas atenções com
as preocupações da casa, e o cuidado com os filhos[24].
Conclui-se este capítulo após haver fornecido através de
documentos da Igreja, sua origem e constituição. A compreensão que os Batistas
fazem em relação à vocação pastoral e seu desenvolvimento ministerial.
Incluiu-se a visão que a Igreja tem e se manifesta na vida da família do pastor
da comunidade. Pretendeu-se dar ao leitor/a as bases mínimas de compreensão
desta comunidade. No próximo capítulo, a ênfase será na identificação das
tensões e dos conflitos presentes em maior ou menor grau na família pastoral.
[1]
Para melhor compreender a Teologia Batista sugere-se a leitura de LANDERS, John
Monroe. Teologia dos Princípios Batistas.
3ª.Edição. Rio de Janeiro: JUERP, 1994.
[2]
Para um melhor aprofundamento sugere-se a leitura de um trabalho denominado
Rastro de Sangue de J. M. (1851-1931), grupo batista denominado landmarquista,
que se propõe a narrar à história batista a partir de sua origem dada pelo
próprio Jesus e percebida nas Igrejas Primitivas.
[3]
Atualmente há também vários grupos batistas chamados renovados, de orientação
pentecostal. A maioria destas igrejas oriundas da Convenção Batista Brasileira,
o maior grupo batista no Brasil.
[4]
FERREIRA, Ebenézer Soares. Manual da igreja e do obreiro. 6a.
Ed. Rio de janeiro: Juerp, 1989. p. 27
[5]
Baseado neste pensamento surge o dualismo entre o Sagrado e o secular, tão
presente no pensar do cristão batista. O Sagrado e o secular não se misturam,
ou se relacionam. A vida cristã está voltada para a glória futura, em um
celeste porvir.
[6]
FERREIRA, Ebenézer Soares. Manual da igreja e do obreiro. 6a.
Ed. Rio de janeiro: Juerp, 1989. p. 27-29
[7]
FERREIRA, Ebenézer Soares. Manual da igreja e do obreiro. 6a.
Ed. Rio de janeiro: Juerp, 1989. p. 29-30
[8]
veja o exemplo encontrado em Atos 6.2-5 quando da eleição dos diáconos.
[9]
FERREIRA, Ebenézer Soares. Manual da igreja e do obreiro. 6a.
Ed. Rio de janeiro: Juerp, 1989. p. 31
[10]
LANDERS, John Monroe. Teologia dos
Princípios Batistas. 3ª.Edição. Rio de Janeiro: JUERP, 1994. p. 137-141
[11]
SANTOS, Antônio Carlos. Vocação e Ministério Pastoral. Monografia.
Local: São Bernardo do Campo, 1999. p. 37
[12]
O/a leitor/a perceberá uma forte redução da abordagem dada sobre a Vocação. Não
está no objetivo deste estudo o aprofundamento do tema, que por si só desafia o
debate, o serviço e a uma construção teológica. Existem diversas obras que se
propõe a trabalhar de forma mais intensa o assunto, algumas delas poderão ser
encontradas na Bibliografia utilizada. Alguns exemplos PETERSON, Eugene H.
& DAWN, Marva J. O pastor desnecessário:
reavaliando a chamada para o ministério. Trad. Cláudia Ziller Faria. Rio de
Janeiro: Ed. Textus, 2001. 237 p.; SANTOS, Antônio Carlos. Vocação e Ministério Pastoral. Monografia. São Bernardo do Campo,
1999. 86 p.
[13]
HOLANDA, Aurélio Buarque. Dicionário Básico da Língua Portuguesa. Local:
São Paulo Folha de São Paulo, 1995. p. 677.
[14]
SANTOS, Antônio Carlos. Vocação e Ministério Pastoral. Monografia.
Local: São Bernardo do Campo, 1999. p. 20
[15]
O/a leitor/a perceberá nesta obra a ausência da expressão pastora, ou do
ministério pastoral feminino. A razão, cuja melhor compreensão se encontra no
decorrer desta exposição, está na compreensão batista em que a mulher, segunda
a tradição, não é vocacionada para o exercício do ministério pastoral. Está é a
razão da exclusão da mulher neste ministério específico. Para uma melhor
compreensão da divergência que o tema traz, sugere-se a leitura da obra CULVER,
Robert D., FOH, Susan [et al.]. Mulheres
no Ministério: Quatro opiniões sobre o papel da mulher na igreja. São
Paulo: Mundo Cristão, 1996. 301 p.
[16]
BARRIENTOS, Alberto. Trabalho Pastoral: Princípios e
alternativas. Trad. Kedma
Campos Rix. 2ª. Ed. Editora United Press, 1999. p. 65
[17] BARTH,
Karl. Introdução à Teologia Evangélica. Trad.
Lindolfo Weingartner. 5ª. Edição. São Leopoldo: Sinodal, 1996. p. 71-77
[18]
Conforme Declaração de Fé das Igrejas Batistas Bíblicas do Brasil
[19]
Conforme texto encontrado no Estatuto da Igreja Batista Bíblica em Vila Rosa.
[20]
O/a leitor/a encontra nesta obra as definições de pai pastor, e esposo pastor.
Ambas mencionam o Pastor em suas relações de pai, de esposo, sem contudo
descaracteriza-lo de sua vocação como ministro.
[21]
Sugere-se um maior aprofundamento sobre o tema. Considerando as tradições e a nova
realidade social poderia concluir que a vocação da família é conseqüência de um
costume. Que na transformação das relações sociais a vocação da família
deixaria de existir, ou seria sujeito de uma nova construção da família
pastoral?
[22] JUNIOR,
Nilson da Silva. Implicações da
Itinerância da Vida Familiar do/a Pastor/a Metodista no Brasil. Monografia.
São Bernardo do Campo, 2003 p. 35-42
[23]
Censo IBGE 2000 – www.ibge.org.br
[24]
Sugere-se leitura da obra de NETTO, Dirceléia de Oliveira. Família Pastoral sob a Ótica dos Filhos de Pastores e Pastoras. Monografia.
São Bernardo do Campo, 2004.
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