domingo, 17 de dezembro de 2017

O Ministério Pastoral: a geração de conflitos e tensões na família pastoral: uma reflexão a partir da igreja Batista. Parte II

  Capítulo II - os conflitos da família pastoral

“Ser casada com um pastor e viver ao lado dele na comunidade – a preocupação com este tipo de vida, com suas possibilidades, exigências e dificuldades não é nova.” [25]
1. A família Pastoral – Aspectos Históricos

A casa ou a família pastoral tem o seu surgimento algum tempo depois da Reforma protestante. Martinho Lutero, ex-padre da tradição Católica Romana vem a casar-se com Katharina Von Bora[26], uma ex-freira católica Romana. Desta união abriu-se uma nova perspectiva ao mundo cristão protestante: o de clérigos poderem estabelecer suas próprias famílias.
Com o surgimento destas uniões inicia-se a criação da família pastoral[27]. Estas famílias deram enormes contribuições às culturas da época, como modelos de lares estruturados e bem estabelecidos, se bem que em uma perspectiva totalmente diferente das famílias contemporâneas de tradição cristã.

Os casamentos não eram realizados com base no amor ou da escolhas mútuas. Normalmente eram  uniões tratadas e  orientadas pelos pais e pelos homens pretendentes. A maior perspectiva estava em uma união que gerasse filhos, para assim cumprirem os mandamentos de Deus para procriarem. Assim podemos dizer que o casamento se dava mais por motivos racionais do que pelo amor.

O papel da mulher nesta época era de total submissão ao marido. Ela não possuía direitos. Sua função era ter filhos, cuidar deles, da casa e do marido. Os papéis do homem e da mulher eram claramente definidos pela sociedade. Desde aquele tempo, a mulher assumiu o papel da esposa do pastor.

No século XIX, o romantismo começa a surgir entre o homem e a mulher. O trabalho cristão toma novo aspecto. Ambos trabalham com mais afinco, se esforçando para juntos ganharem almas para Deus[28]. A educação dos filhos também toma nova perspectivas, o amor entre os pais é estendido aos filhos, e a educação toma novo sentido voltando para as Artes e a Cultura.

2. A família pastoral batista          

Nas comunidades batistas não é comum encontrar pastores solteiros. Isto não significa que não existam. Pode-se encontrá-los em igrejas mais abertas em relação a igrejas tradicionais que dificultam a entrada de pastores que não possuam uma família ou que ao menos esteja casado[29].

Ser pastor solteiro é uma forma de diminuir as tensões na família pastoral, até porque não a tem esposa ou filhos a partir deles (I Co 7.33). Porém o pastor solteiro pode tornar-se fonte de constante preocupação para seus pais. Outras famílias que podem ter problemas com o estado civil do pastor, são as casas dos membros que tem jovens solteiras, e pior, para algumas mulheres casadas da comunidade. Todo o cuidado no estabelecimento das relações entre o líder e os membros é necessário[30].


A família do pastor não é muito diferente de qualquer outra. A família pastoral não ocupa uma posição elevada na consideração Batista. Ebenézer Soares Ferreira, autor do livro Manual da Igreja e do Obreiro, uma das obras utilizadas como referência neste trabalho, de origem batista, dedica meia página a família de um total de 234 páginas de seu livro. Como ele, outros escritores tendem a não priorizar a família pastoral, seja ela de qual denominação for. Por que isto se dá? Por que não há investimentos para, e na família pastoral? Podemos perceber a tensão das prioridades na obra de Dantas, para ele a família se coloca em terceiro lugar: primeiro Deus, em segundo o pastor, em terceiro a família, e em quarto a igreja[31].

Estas perguntas determinam à falta de consideração que existe a partir da comunidade cristã protestante. A Igreja Batista não é diferente. A única compreensão que temos é que o foco está posto na figura do pastor. Ele é centro da comunidade. Os demais componentes da família ficam a margem das relações e das preocupações das comunidades eclesiásticas. Seria a vocação um chamado coletivo? Inclui a família? Para Santos, sim. A família deve se considerar vocacionada[32]. Se este entendimento for correto, isto não determinaria a criação de uma nova relação entre a família pastoral e a comunidade? E o estabelecimento do início de um novo modelo de ministério não deveria envolver toda a família pastoral, e não somente a figura do pastor?

 Quando mencionamos a família pastoral, surge outro agravante comum em sistemas como a família. As relações individuais afetam os demais indivíduos da família. Por isto é comum que os membros participem das dificuldades da comunidade, devido o compartilhar dos problemas que o pai-pastor traz no seu dia-a-dia, no exercício da sua atividade. Por mais que a ética pastoral esteja presente na vida do pastor, seu semblante muitas vezes denúncia seu estado emocional com os seus, principalmente quando está sendo pressionado pela diretoria da igreja ou enfrenta algum problema sério dentro da comunidade. Normalmente conflitos baseados em relacionamentos. É muito difícil esconder sentimentos. O corpo e as expressões falam.

Outra dificuldade inserida na família pastoral está na conflação. Os limites entre o público e o privado são necessários para a boa saúde da comunidade e para a família.  Cada uma deve aprender a respeitar os espaços. O espaço da intimidade da família deve ser preservado.

Um perigo ocorre quando o pai e esposa se colocam a disposição da comunidade. Surge, o sentimento de abandono por parte dos filhos, percebendo a prioridade que os pais estabelecem. O pastor como líder deve ter este cuidado, e ensinar a comunidade a se relacionar com família pastoral, dentro de um respeito mútuo de espaços.
  
O mundo religioso é prodigioso em criar mitos. Um deste é idealizar a família do pastor como perfeita, exemplar[33]. Esta expectativa é muito forte nas comunidades tradicionais, e seus membros exigem – inconscientemente talvez – um alto padrão para a vida familiar de seu líder. A convivência com este tipo de exigência, tende a criar uma base familiar construída sobre fachada de aparências para a satisfação da comunidade. A família pastoral não deve ser tida como um exemplo absoluto. Todas as famílias cristãs têm o dever de serem padrão para a sociedade onde residem, vivem e atuem e não exigir este padrão apenas de uma única família. Muitos ministérios são bem sucedidos graças ao apoio da família e outros deixam de existir por sérios problemas contidos em seu interior.

3. A Esposa

Por mais que o papel do pastor esteja delineado e caiba a ele a responsabilidade do rebanho, não se pode furtar das esposas de pastores, seu valor na comunidade onde seu esposo trabalha, bem como na sociedade onde a família vive e participa.

 Infelizmente muitas esposas entram no ministério sem serem convidadas, ou informadas. A mulher se torna esposa do pastor nas seguintes condições: 1. quando namora o rapaz, e ambos têm a consciência de que trabalharão no ministério pastoral; 2 . já casados o marido sente o chamado e parte para o exercício da vocação sem que a esposa seja ao menos consultada; e 3. também casados a mulher é convidada a participar do processo da vocação, este processo pode ser considerado o menos traumático para a família já constituída e se torna “vocacionada” em sua totalidade[34].

A esposa do pastor tem seu ministério, infelizmente, pouquíssimo reconhecido nas comunidades onde atua. As funções que a esposa atua são as mais diversas, a sua presença necessária é certamente bem vinda. Ela faz ou auxilia a evangelização e na visitação, a prestar assistência aos necessitados, na educação formal, na Escola Dominical, na música, envolve com ministérios entre os jovens, as crianças, as senhoras e com os adultos em geral. Tudo isto sem reconhecimento, sem salário e muitas vezes, sem identidade[35]. Clodoaldo Antônio de Paula afirma que em muitos casos a igreja deseja ter dois “pastores” pelo preço de um[36]. Além disto, a esposa sempre será cobrada pela comunidade onde atua. Até porque a satisfação humana está acima do limite do próprio ser. As pessoas sempre desejam mais de outras, e nem sempre eles/elas estão capacitados a corresponder com os anseios humanos.

Schneider-Harpprecht & Streck[37] em seu estudo analisa três modelos de atuação das esposas de pastores nas comunidades religiosas:

O primeiro é aquele que se envolve totalmente no ministério, ou porque gosta ou porque deseja auxiliar seu esposo. Este tipo de ajuda, vindo da esposa, traz muitos benefícios: 1. para o pastor que vê parte de suas atribuições divididas, e assim, seu trabalho pode ser aliviado. 2. a esposa poder participar mais facilmente na comunidade feminina; isto colabora com o pastor, normalmente, as mulheres sentem-se constrangidas em compartilhar alguns assuntos de ordem pessoal com o pastor da comunidade. A maior dificuldade é percebida quando esta esposa envolve-se demasiadamente com a comunidade, e não organiza seu tempo para cuidar de si, e absorve funções e obrigações inerentes à comunidade.

O segundo tipo de esposa é aquela que vive em casa, que participa do ministério pastoral a partir das aberturas dadas pelo marido pastor. Neste modelo a esposa assume toda a responsabilidade pela casa, enquanto o marido vive prioritariamente em função da comunidade. A solidão, fruto de um possível desprezo pelo marido é um risco presente neste tipo de relação, visto que a prioridade da vida do pastor está em servir a sua comunidade. O grau de dependência em relação ao marido é elevado, por manter-se dentro de casa e sem possibilidade de abrir-se ao mundo.

O terceiro estilo de esposa está naquela que tem uma carreira profissional. Este modelo ainda é a minoria. Ao estar atuante no mercado de trabalho traz uma grande independência em relação ao esposo e aos filhos, principalmente em relação à comunidade onde o marido atua. A maioria das comunidades não está acostumada com a ausência da esposa e a querem ativa no ministério do esposo. Os motivos que levam a esposa a exercer uma profissão estão muitas vezes ligados a questões financeiras. Salários baixos, a dependência de uma prebenda ministerial minguada é a maior razão de poder manter a família protegida em relação ao humor de uma comunidade que julga seu pastor hoje apropriado, e amanhã dispensável aos olhos de alguns. Quando este modelo é adotado na família pastoral surge uma sobrecarga de responsabilidade para o pastor, além de cuidar da comunidade, vê-se obrigado também zelar por partes das tarefas da casa e do cuidado com os filhos. Mesmo a esposa trabalhando exercendo uma profissão as tarefas caseiras estão sempre a sua espera. Ela também tem uma sobrecarga de responsabilidades. É uma tentativa do pastor em suprir a ausência da esposa tanto em casa, como na comunidade.

Bárbara Sullivan faz uma contribuição ao mencionar: “Encontrar o equilíbrio é uma tarefa difícil, mas não impossível se adotarmos um princípio bíblico muito importante: a dedicação...” [38]. É fato que a influência da esposa é determinante na vida do homem e especialmente na vida do pastor. Prestando a ele palavras de estímulo[39] e fazendo-o perceber fatos, que o homem pela sua natureza, ou um processo de socialização não se mostra tão sensível[40].

4. A comunidade

A família pastoral está situada em meio a diversos conflitos. Sofrem a pressão da sociedade, do mundo secular, mas também da comunidade eclesiástica. O desprezo à família nas comunidades é notável, muitas vezes se há uma atenção é para que ela ocupe um lugar de serviço. Mulheres de pastores, filhas e filhos são notados a partir da possibilidade do serviço que pode ser dado para o benefício da comunidade. A igreja local, de forma inconsciente ou não, tende a copiar os modelos da sociedade. Para algumas Igrejas só servem aqueles e aquelas que podem dar algo em troca ou que são transformados em potenciais consumidores de produtos que a sociedade oferece para o “benefício” daqueles que podem ser ou se transformar em clientes.

Quando se menciona a família pastoral Batista, percebe-se um tom de cobrança, necessitando destacar as qualidades que devem ter, sem levar em consideração sua humanidade[41]. Espera-se e exige-se que na residência pastoral haja uma perfeita harmonia. Esposa virtuosa (Pv 31.10) e filhos em total sujeição. Um lar “modelo” para os demais, onde reina a ordem, a paz, a harmonia e o trabalho, a santidade. Não há espaço para o lazer, o descanso, a individualidade, e conflitos.

Por diversas vezes se atribui o fracasso do Pastor devido à péssima “qualidade” da esposa ou dos filhos. Seria o “sucesso” pastoral condicionada ao “sucesso” dos seus? A família é fator determinante ao “sucesso” do pastor? Ferreira condiciona o “sucesso” pastoral à atitude que a esposa toma em relação ao ministério. Santos afirma que o apoio familiar é indispensável e a cooperação deve ser total[42]. Muita cobrança para pessoas que não foram vocacionados, ou foram? Em que momento se deu esta vocação? De forma consciente ou inconsciente? O que se espera dela como esposa não seria o que se espera de toda mulher e esposa cristã? Isto existe em outras profissões? De que forma a esposa e os filhos devem cooperar para que o pai, profissional? Não seria o apoio básico e inerente a qualquer atividade humana? Por que o ministério é exceção?

A casa pastoral cedida ao pastor e sua família, sem o pagamento de um aluguel, expõe a família a um tipo de situação, às vezes, constrangedora. O poder que a comunidade procura exercer quando ela oferece benefícios como: assistência médica, seguro de vida, pagamentos mensais das contas de telefone, água, energia elétrica e IPTU coloca o pastor e sua família em uma situação de forte dependência diante da comunidade. Por diversas vezes a comunidade faz uso destes benefícios como meio de pressão.

A posição da família pastoral, muitas vezes se mostra frágil diante da comunidade, a não ser que não dependa dela.

 5. O pastor

Para muitas comunidades o pastor simboliza a presença do Sagrado. Há uma forte transferência de símbolo do transcendente para o humano. Se o pastor não utilizar da humildade diante do rebanho e de sua família, as possibilidades de se tornar um tirano, legitimando-se como Homem de Deus pode provocar uma quebra de relações saudáveis entre o pastor e a comunidade. Pior será quando esta opressão está presente na relação familiar. O pai e esposo tornam-se a imagem e semelhança de um deus autoritário, punitivo e ameaçador. Infelizmente, o pastorado tem para alguns uma sensação de onipotência sobre um grupo de pessoas.

Para muitos casos em que as relações familiares na casa pastoral atingem uma condição insuportável entre o marido e a mulher, que não consigam manter uma aparência de casal perfeito diante da comunidade, o divórcio tornar-se a “solução” [43].

A declaração que De Paula teceu, baseado em ditos de pastores: “depois que acontece a separação ninguém da igreja vai revelar o fato de que a esposa ou o pastor dedicavam-se tanto a igreja que se esqueceram da família”[44]. Percebe-se neste ato tão humano e secular que a família pastoral realmente se mostra vulnerável, como qualquer outra. As tensões familiares existem e é necessário equilíbrio e bom senso nas relações familiares e humanas entre seus componentes.


Este equilíbrio deve existir a partir do pai pastor. Nos pastorados cuja tradição é muito forte, sempre existe a possibilidade em que o pai pastor procure construir uma “vocação hereditária”. Em fazer cumprir nos filhos o que somos ou que desejamos que eles sejam. Muitos pastores, ao construírem seus impérios procuram deixar seu legado a seu filho. A vocação é esquecida e a visão de um continuísmo impera, o desejo humano se sobrepõe sobre o desejo Divino. A vocação perde espaço para as dinastias do poder. O Sagrado é contido em determinado espaço, e pode ser manobrado pelos líderes da comunidade, infelizmente mal intencionados.
6. Finanças

Há na Igreja Batista duas causas básicas para a desqualificação do pastor diante da comunidade e consequentemente a desgraça para a família. Uma delas são as relações extra-conjugais e a segunda a cobiça por dinheiro.

Infelizmente estas são as causas de muitos ministérios desfeitos, e também de lares pastorais. Dinheiro também é a causa de muitos conflitos na família pastoral batista, só que ao invés da cobiça é a falta de condições financeiras dignas para o sustento da família. Nas comunidades batistas para o pastor ter salário digno é uma dificuldade. Comunidades tradicionais ou não, a maioria das igrejas pensa que o pastor sempre ganha mais do que necessita[45].

Muitos pastores acreditando estarem servindo a uma boa causa, se submetem, acreditando que Deus lhe concederá o necessário, em um ato de fé. Porém esquecem que sua esposa e seus filhos não compartilham da mesma visão espiritualista e também vocacional, eles vivem mais a realidade das necessidades materiais. A família por diversas vezes se submete à visão do pai e esposo em poupar a comunidade, concordam em viver com um baixo salário e expõem a família a uma condição vexatória ocasionando revolta na esposa e/ou nos filhos, vítimas da visão do pai e esposo e da falta de visão da comunidade. Há um outro lado, o pastor na luta por melhores condições materiais e financeiras, poderá ser taxado de mercenário[46] ou de profissional, aquele estará visando lucro.

Diante das necessidades, o pastor não deve fazer uso do dinheiro da igreja para suas necessidades pessoais e familiares. Por isto a Igreja Batista sempre coloca a responsabilidade em cuidar das finanças nas mãos de tesoureiros. Mesmo assim ouvem-se notícias de golpes financeiros aplicados em comunidades, não só batistas. Difícil estabelecer formas para evitar estes tipos de problemas.

Como as comunidades batistas são independentes, é impossível estabelecer referências salariais. Há variedades de igrejas com mais ou menos recursos que impedem esta ação conjunta, e mesmo que se tentasse, esbarra na autonomia da Igreja Local que permite a Igreja não assimilar orientação neste sentido. Para resolver o dilema, muitos pastores poderiam exercer uma atividade remunerada para complementar o orçamento doméstico. Nisto surge outra dificuldade: normalmente o pastor batista somente se preocupa com o ministério e não sabe fazer outra coisa senão pastorear. Quando ele não tiver igreja para liderar seu futuro tornar-se incerto e de sua família também[47].

7. Os filhos

Casa pastoral e filhos, uma perfeita relação? Sim, é possível, porém não é uma normalidade[48] nas comunidades em geral, e nas batistas também. A criação dos filhos surgida a partir de uma família pastoral, infelizmente não é a mesma em uma família comum, mesmo sendo cristã.

Os filhos e filhas de pastores batistas em sua grande maioria sofrem. Sua educação e formação se dão em meio a forte cobrança vinda de todos os lados. Tanto dentro, como fora de seus lares e principalmente, diante da comunidade. Podemos citar alguns exemplos que De Paula menciona em seu trabalho[49]:

ü  de serem mais santos que os demais filhos da comunidade;
ü  esperar deles comportamentos que nem muitos adultos têm;
ü  tem de ser o primeiro a se apresentar para ocupar funções;
ü  ser exemplos diante de outros jovens;
ü  utilizar-se de roupas comportadas, segundo o critério dos mais “velhos”;
ü  grandes expectativas por parte dos pais;
ü  as constantes mudanças de residências e amigos;
ü  o rigor dos pais;
ü  o dualismo do pai que prega uma coisa e vive outra;
ü  falta de tempo para dialogar;
ü  falta de atenção as necessidades básicas dos filhos.

Outros filhos mencionam os seguintes fatos, como: 1. não ter nome, somente ser conhecido como filho/a de Pastor; 2. não há período de férias; 3. as constantes viagens; 4. a ausência do pai; 5. ser conhecido não pelo quem é, mas por ser filho de pastor; 6. não poder errar; 7. ter a comunidade como prioridade; 8. os pais pensam mais no que os outros irão pensar; 9. ser exemplo; 10. a itinerância.  

A exigência moral e espiritual exigida deles a partir do pai pastor não é a mesma que este mesmo pai exige de seus membros. Seus filhos podem ser mais exigidos, cobrados, e mais disciplinados do que os demais. Esta ação revela que a ação do pai pastor está baseada mais no que apresenta a comunidade do que com a expressão maior que é o amor aos filhos.

Dirceléia de Oliveira Netto[50] em seu trabalho monográfico desenvolveu pesquisa de campo com base em entrevistas com filhos de pastores/as Metodistas. Infelizmente não há conhecimento de trabalho semelhante em comunidades batistas, utilizando-se meios científicos. Mesmo sendo realizada com filhos e filhas de clérigos/as de tradição metodista pode-se ratificar o exposto, e contribuir com as demais considerações:

1. pouquíssimas profissões exigem tanto da família como o exercício do ministério pastoral. Talvez o serviço de carreira militar envolva a família tanto quanto o pastoral;
 2. percebemos que os mesmos sentem-se resignados por ser filhos/as de pastores/as, visto que são “vítimas” da vocação do pai;
3. ser filho/a de pastor/a nem sempre é prejudicial na vida da criança e do jovem. Existem diversos exemplos de uma relação saudável: filho/a – pastor/a – comunidade;
4. os filhos/as de pastores/as têm consciência do valor de seus pais e do ministério que executam;
5. apesar de seu pai/mãe ser pastor/a, sente a ausência de um pastor na vida deles. Isto justifica porque muitos filhos/as de pastores preferem freqüentar outras igrejas que não sejam de seus pais. Lá podem ter um pastor isento das relações familiares pastorais, e capaz de auxiliar o jovem em suas dificuldades;
6. o ministério, as relações na comunidade, imprimem marcas na vida da criança e do adolescente. Que tipo de influências ocorre nestas vidas, se são positivas ou negativas dependerão do tipo de tratamento que tiveram em suas comunidades;
7. há uma mistura de identidade do pastor com o restante da família;
8. há possibilidade de um fortalecimento dos laços familiares na família pastoral quando a mesma, em seu conjunto passa por grandes dificuldades no ministério;


As distorções existentes nos ministérios devem ser observadas e corrigidas para que o ministério não destrua a vida de seus filhos. Aquele que anuncia vida não deve produzir a morte. Muito destas distorções são da responsabilidade do pastor, e se não tratadas, resolvidas, isto revela que o pai está mais preocupado em produzir currículos vivos, sua família, para ser admirada, ou que possa facilitar sua entrada em alguma comunidade. O viver é desejar intensificar o papel de ser um pai presente e participativo[51].

Simplesmente ser pai e não um pastor que deixa de ser pai. A não vivência desta relação pai/filhos demonstra uma possível confusão de papéis entre a identidade do pai e pastor. Isto pode esconder traumas ou dramas passados, ou mesmo insegurança que o faça tomar esta atitude. Vale lembrar a recomendação contida em I Timóteo 5:8: “Mas, se alguém não cuida dos seus, e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior que o incrédulo”. Este modelo de pastor se tornar incapaz de pastorear um rebanho, pois a si mesmo desqualificou.
    
8. A itinerância

Há alguns anos atrás era muito raro encontrar dentro das Igrejas Batistas um grande revezamento de pastores. Porém isto está mudando. A maioria das igrejas ainda mantém um forte vínculo com seu pastor. Mas, percebemos que o tempo dos pastores nas igrejas está diminuindo consideravelmente. O que era comum a um pastor terminar sua vida ou se aposentar à frente de uma igreja depois de muitos anos de serviço tem levado hoje a uma nova problemática: a itinerância[52]. Santos, em obra já citada, demonstra que a itinerância é um dos maiores desafios para a família pastoral metodista, seguido da falta de estrutura para a família pastoral e da cobrança da comunidade em relação à família do pastor/a. Infelizmente os batistas não possuem um levantamento que nos dê um subsídio preciso. 
Quando a família pastoral se coloca a disposição e se sujeita a servir sua denominação nesta situação, percebemos diversas problemáticas[53]. Uma delas é que nas igrejas de princípio episcopal existem jogos de interesses, e a política da hierarquia clerical diversas vezes determina qual a família deve ser removida, e enviada a outros locais, ou em efeito contrário determinar longa permanência de alguns que na prática não serão enviados para novos campos. Estes têm a possibilidade de com tranqüilidade estabelecerem suas famílias, com escola, amizades em uma melhor condição que outros que são sujeitos a uma autoridade episcopal os envia segundo sua interpretação.

Embora os membros e pastores batistas não estejam sujeitos a uma autoridade eclesiástica, a não ser a própria Igreja, o pastor por diversas vezes não percebe que as mudanças freqüentes inibem a esposa a desenvolver-se nos estudos ou mesmo em uma determinada profissão, afinal nem ela mesma sabe até quando estará em determinado local de trabalho pastoral. Isto sem relatar a condição dos filhos sem poderem estabelecer fortes e duradouras amizades que auxiliem em sua formação cristã.

Outro quesito que exige muito da família pastoral é entender que cada comunidade tem suas necessidades específicas, sem contar as diferenças regionais. Estar preparado para entendê-las, e estar capacitado a corresponder a cada uma delas é uma tarefa desgastante e desafiadora para o exercício do ministério.

9. A família sem identidade

Tanto esposa como os filhos do pastor possuem uma característica na comunidade onde seu esposo e pai atua. É o que se pode chamar de família dos sem nome. Os filhos do pastor e sua esposa são os sem identidade. Não porque não tem, mas que muitos não se importam que nome tenha. O mais importante é que é a família do pastor. De Paula[54] define a esposa que se encontra neste estado como uma “personagem”, a esposa do pastor.

Os efeitos desta condição na vida da mulher, poderia ser tema de um estudo específico. Nas pequenas comunidades que se mostra mais integrada tal ocorrência é rara. Os filhos são vistos e percebidos não pelo que são, mas de quem são. Ser filho de pastor acarreta diversas cobranças, uma delas: a única identidade que permanece é que são os filhos; seus nomes, suas personalidades não são importantes, o que importa é que são filhos, não filhos comuns, mas “os filhos do pastor”. Barrientos[55] e outros estudos demonstram que muitas crianças oprimidas pelas comunidades e pelo pai pastor fogem da igreja quando alcançam mais idade.

10. A Sexualidade

A existência pública do casal pastoral estabelece diversos tipos e níveis de relacionamentos. É possível que na exposição pública do casal, possam ser percebidos como objetos de desejos sexuais. Sendo notados como objeto de desejo, ou em uma situação inversa, como desejosos de membros da comunidade. Por vezes pode existir envolvimento sexual fora do casamento por parte do pastor, ou de sua esposa, com um/a membro da comunidade. A sexualidade está presente nas pessoas e nas relações entre as mesmas. Ora são atraídas, ora são sujeitos ou objetos de atração. Nas comunidades isto não é muito diferente. Mas, com certeza mascarado. Apesar de ser um lugar onde o Sagrado se manifesta, também é um lugar onde a humanidade também está presente.

Clodoaldo Antônio de Paula fazendo referência a Dusilek[56] afirma a forte carência de amizades na família pastoral e mesmo de um pastor na vida do casal. Na verdade, as amizades construídas dentro das comunidades podem se tornar catastróficas para o exercício do pastorado, principalmente quando o pastor tem de confrontar seus “amigos”. O pastor pode perder a tênue linha que divide o público e o privado. As autênticas amizades perpassam e participam do privado.


As esposas de pastores estão mais sujeitas a um tipo de emoção denominada ciúmes. Mulheres com carências procuram mais a presença pastoral, criando um clima desconcertante para o pastor, apesar de ser uma tarefa inerente ao exercício pastoral, diante de sua esposa. São duas pessoas com necessidades distintas e conflitantes, e que procuram em uma mesma pessoa a solução para seus anseios. Medo, ciúmes, ira, desprezo são emoções e comportamentos plausíveis, resultado de situações de conflitos e de busca da satisfação das necessidades humanas.

Para evitar tais conflitos é necessário que o casal estabeleça claramente sua forma de relacionar-se sexualmente. O casal deve satisfazer-se mutuamente. Muitos casais pastorais, em conseqüência de sua posição e atribuições tragam sobre si um fardo moral delimitando a vida sexual do casal. Para os conservadores extremos, o sexo é correto somente para a procriação. Muitos vivem sentimentos de culpa, por considerarem determinados atos como abomináveis aos olhos de Deus. O importante é que o casal esteja totalmente unificado em todas as relações do marido e da esposa.


Conclui-se o segundo capítulo estabelecendo causas de tensões e conflitos ocorridos na família pastoral. Por mais decepcionante que o estudo possa demonstrar a família não está destinada a um sistema opressor de relações. O próximo capítulo procurará demonstrar possibilidades em reverter situações que geradores de stress e tensões, propondo ações de comportamento e de relações a ponto de restabelecerem convivências saudáveis entre a família, pastor e a comunidade onde atuam.  


[25] SCHNEIDER-HARPPRECHT, Cristoph & STRECK, Valburga Schmied. A  Esposa de Pastor: Identidade entre Família, Profissão e Igreja. Revista Estudos Teológicos. São Leopoldo: 1995. pp. 133.
[26] Sobre a vida de Katharina, sugerimos a leitura de MALL, E. Jane. Kitty my Rib. Saint Louis: Concordia Paperback Edition, 1984. 173 p.
[27] SCHNEIDER-HARPPRECHT, Cristoph & STRECK, Valburga Schmied. A Esposa de Pastor: Identidade entre Família, Profissão e Igreja. Revista Estudos Teológicos. São Leopoldo: 1995. p. 133
[28] Idem, p. 134. Os autores fazem uma citação de um texto publicado na Inglaterra em 1832 de Willian Douglas, Ministers Wifes, p. 2, que determina as tarefas da esposa do Pastor: “o progresso do ministério do marido, a salvação das almas confiadas à responsabilidade pastoral dela e o alívio das suas necessidades temporais. Deixe-a sentir que, ao tornar-se esposa de pastor, ela por assim dizer se casou com a comunidade do marido e para o melhor interesse do seu trabalho... Feliz, três vezes feliz a mulher cristã à qual é permitido devotar sua vida, seu tempo e seus talentos ao serviço do seu Deus e Salvador! Ele não irá esquecer de seu trabalho e seu labor de amor. Ela irá receber uma coroa de glória".
[29] RIGGS, Ralph M. O Guia do Pastor. Trad. João Marques Bentes. 3ª. Edição.  Ed. Vida, 1992 e DANTAS, Anísio Batista. O Pastor e Seu Ministério. Ed. Vida: São Paulo, 1990. São exemplos da visão que o pastor deve ser casado e deve constituir família.
[30] BARRIENTOS, Alberto. Trabalho Pastoral: Princípios e alternativas. Trad. Kedma Campos Rix. 2ª. Ed. Editora United Press, 1999. p. 61
[31] DANTAS, Anísio Batista. O Pastor e Seu Ministério. Ed. Vida: São Paulo,1990. p. 101
[32] SANTOS, Antônio Carlos. Vocação e Ministério Pastoral. Monografia. Local: São Bernardo do Campo, 1999. p. 33
[33] FERREIRA, Ebenézer Soares. Manual da igreja e do obreiro. 6a. Ed. Rio de janeiro: Juerp, 1989. p. 178. O autor é um defensor que a família pastoral deve ser um modelo. Segundo o autor deve haver ordem, paz, harmonia, o trabalho, santidade e um santuário. Exigir que uma família demonstre e viva  todos estes atributos é colocar sobre ela uma responsabilidade que não possa ser suportada. Não é possível concordar com isto. Estranho que o autor no capítulo que trata da ética, ou seja, das relações não inclua os padrões de comportamento do pastor em relação a sua família.
[34] DE PAULA, Clodoaldo Antônio. Ministério Pastoral: Atribuições e Tensões na Atualidade. Monografia. São Bernardo do Campo, 1998. p. 54
[35] SCHNEIDER-HARPPRECHT, Cristoph & STRECK, Valburga Schmied. A  Esposa de Pastor: Identidade entre Família, Profissão e Igreja. Revista Estudos Teológicos. São Leopoldo: 1995. p. 134
[36] DE PAULA, Clodoaldo Antônio. Ministério Pastoral: Atribuições e Tensões na Atualidade. Monografia. São Bernardo do Campo: 1998. p.54
[37] Idem, pp. 136-139
[38] SULLIVAN, Bárbara. A mulher que quero ser: O equilíbrio delicado da auto-imagem feminina. Trad. Wanda de Assumpção. 2ª. Edição. Ed. Mundo Cristão: São Paulo, 1988. p. 80
[39] RIGGS, Ralph M. O Guia do Pastor. Trad. João Marques Bentes. 3ª. Edição.  Ed. Vida, 1992.p. 83
[40] Para aprofundar-se sobre a temática da vida da esposa do pastor sugerimos a obra de GOMES, Elizabeth Stowell Charles. A Esposa. Jaú: Ed. Refúgio, Gráfica e Editorial Ltda, 1979.
[41] FERREIRA, Ebenézer Soares. Manual da igreja e do obreiro. 6a. Ed. Rio de janeiro: Juerp, 1989. p. 178
[42] SANTOS, Antônio Carlos. Vocação e Ministério Pastoral. Monografia. Local: São Bernardo do Campo, 1999. p. 33
[43] SCHNEIDER-HARPPRECHT, Cristoph & STRECK, Valburga Schmied. A  Esposa de Pastor: Identidade entre Família, Profissão e Igreja. Revista Estudos Teológicos. São Leopoldo: 1995. p. 135 – os autores citam que os pastores, nos Estados Unidos da América, são o terceiro grupo de profissionais que optam pelo divórcio. Donna SINCLAIR, The Pastors’ Wife today, p. 80
[44] DE PAULA, Clodoaldo Antônio. Ministério Pastoral: Atribuições e Tensões na Atualidade. Monografia. São Bernardo do Campo, 1998. p. 54
[45] FERREIRA, Ebenézer Soares. Manual da igreja e do obreiro. 6a. Ed. Rio de janeiro: Juerp, 1989. p. 179-181
[46] Idem p. 180
[47] Veja mais sobre esta temática nas obras: DE PAULA, Clodoaldo Antônio. Ministério Pastoral: Atribuições e Tensões na Atualidade. Monografia. São Bernardo do Campo, 1998. p. 66 a 68. JUNIOR, Nilson da Silva. Implicações da Itinerância da Vida Familiar do/a Pastor/a Metodista no Brasil. Monografia. São Bernardo do Campo, 2003 p. 47-54.
[48] BARRIENTOS, Alberto. Trabalho Pastoral: Princípios e alternativas. Trad. Kedma Campos Rix. 2ª. Ed. Editora United Press, 1999. p. 64
[49] DE PAULA, Clodoaldo Antônio. Ministério Pastoral: Atribuições e Tensões na Atualidade. Monografia. São Bernardo do Campo, 1998. p. 58
[50] NETTO, Dirceléia de Oliveira. Família Pastoral sob a Ótica dos Filhos de Pastores e Pastoras. Monografia. São Bernardo do Campo, 2004. pp. 44-79
[51] RIGGS, Ralph M. O Guia do Pastor. Trad. João Marques Bentes. 3ª. Edição.  Ed. Vida, 1992. p. 71
[52] SANTOS, Antônio Carlos. Vocação e Ministério Pastoral. Monografia. Local: São Bernardo do Campo, 1999. p. 54. Esta forma de pastorado tem trazido muitas dificuldades para famílias pastorais Metodistas, e para as Assembléias de Deus. Agora começa a ser sentido nas Igrejas Batistas. Para uma melhor compreensão sobre o tema consulte a reflexão de JUNIOR, Nilson da Silva. Implicações da Itinerância da Vida Familiar do/a Pastor/a Metodista no Brasil. Monografia. São Bernardo do Campo, 2003.
[53] DE PAULA, Clodoaldo Antônio. Ministério Pastoral: Atribuições e Tensões na Atualidade. Monografia. São Bernardo do Campo, 1998. p. 55
[54] DE PAULA, Clodoaldo Antônio. Ministério Pastoral: Atribuições e Tensões na Atualidade. Monografia. São Bernardo do Campo, 1998. p.53
[55] BARRIENTOS, Alberto. Trabalho Pastoral: Princípios e alternativas. Trad. Kedma Campos Rix. 2ª. Ed. Editora United Press, 1999. p. 65
[56] Idem, p. 55


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