o clamor nos chama
Introdução
“O Pastor... é um
mensageiro de boas notícias referente ao reino de Deus”.
Anísio Batista
Dantas[1]
O objetivo deste trabalho é demonstrar a importância
do Pastor em plena época da pós-modernidade. Diante da realidade que vivemos
hoje.
A primeira parte contempla exatamente a fragilidade
humana com todas as suas problemáticas. Em seguida abordamos a questão de um
pastoreio alheio a problemática humana, cônscio apenas em si mesmo e das suas
próprias expectativas sem levar em consideração o farto campo de trabalho e
atuação, como uma plantação, onde bastaria realizar a colheita. Finalmente,
numa breve reflexão demonstramos a necessidade do Pastor exercer sua vocação[2] primeira,
em direção do ser humano, com uma mão estendida.
I – a precariedade humana, um fato.
“Devemos ser treinados para viver de maneira sensata, correta
e piedosa neste mundo, neste século... pode significar eternidade, pode
significar o passado, o futuro, mas aqui significa o presente – agora mesmo,
Agora mesmo! Na atual situação do seu lar. Seu primeiro ano de faculdade. Seu
presente trabalho. Com o governo atual... com inflação e impostos subindo
sempre. Com aquela cirurgia que ocorrerá na semana próxima... com armas
nucleares, com a goteira no forro. Deus quer que os crentes contextualizem sua
fé”.[3]
O que é o ser humano? Creio que qualquer definição
não corresponderia à complexidade do ser em suas mais diversas manifestações e
inquietações. Homens, mulheres, jovens, crianças e velhos somos seres
complicados, por demais complicados por sinal. Por diversas vezes difíceis de
entender ou de se fazer entender. É justamente com este tipo de matéria prima
que temos de nos relacionar, trabalhar e ajudar a serem transformados.
E como é este ser humano hoje? Em plena época de
tantas conquistas nas mais diversas áreas da vida humana, o ser humano continua
frágil, talvez mais frágil do que antes. É impressionante o número de pessoas
que se sentem carentes, sedentas de atenção, de carinho, de palavras de animo e
de encorajamento. Por quê a humanidade com toda produção tecnológica, não
consegue resolver diversas questões das necessidades humanas? O homem tem
alcançado estágios cada vez maiores em diversas ciências, descobrimentos,
invenções, até mesmo algumas respostas a inúmeras perguntas, porém, a
humanidade vive um clima de profundas incertezas, e violências. A nossa
realidade é prova disto: a grande tecnologia empregada em fabricas com seus
robôs substituindo seus trabalhadores, bancos trocando os operadores de caixa
por terminais, pessoas matando e sendo mortas por nada. Muitos não têm sequer
dinheiro para comprar um pão, um remédio, um doce para seu filho. Quantos há
que não conseguem passar por uma consulta médica por não poderem pagar por um
convênio médico? Aguardando por muitos dias por uma assistência pública falida,
onde muitas vezes são tratados sem um minimo de respeito e mesmo depois de
atendidos não conseguirem ter acessos aos medicamentos necessários por não
poderem comprar, por não terem condições.
A carência humana é enorme[4], como
grande é sua fragilidade diante de tantas dúvidas, seja o medo do desemprego,
da violência, da morte, do amanhã. Esta carência tem levado muitos a se
refugiarem em vícios das mais variadas formas. Os referenciais estão sendo perdidos
ou deturpados, seja nas escolas, nos lares, no dia-a-dia. A busca do sucesso[5] para ser
aceito e o medo do fracasso gera um clima de instabilidade constante, somos
cobrados e nos tornamos cobradores de resultados e de sucessos que talvez nunca
venhamos a conhecer, impostos por uma sociedade que nos aceita pelo o que
podemos consumir. O ser humano é um ser frustrado! Em maior ou em menor grau.
Não conseguimos tudo que queremos ou que gostaríamos de ter, e diariamente
somos incentivados a ter o que não precisamos. Assim o ser humano é tratado por
aquilo que ele pode consumir, se ele não pode comprar simplesmente é rejeitado,
literalmente alguém sem valor, reduzido a nada, simplesmente excluído. Um niilismo.
A política, instrumento de promoção de justiça
popular tem sido um dos meios de grande opressão humana, fazendo das pessoas um
joguete de interesses pessoais em disputas de poder e de influências. Uma
minoria de privilegiados, em prejuízo de uma maioria subordinada aos ditames
daqueles que deveriam fazer seu melhor possível para servir e prover para a
população partes de sua carência.
A realidade vivencial confirma a atual condição do
ser. Destinado a padecer, sem que haja alguém que se incomode com ele, está
fadado a ter uma vida sem esperanças. Para mudar este quadro é necessário que
uma mão seja estendida em favor dos desesperados[6].
II – vocacionados para servir
“O cristianismo não é
uma religião do tipo faça você mesmo”.[7]
O ser humano é a imagem de Deus[8] por ser
feito a sua semelhança. Esta afirmação nos remete a uma reflexão sobre a nosso
vocação. Como pastores[9],
chamados, separados e capacitados nos tornamos representantes de Deus neste
mundo como verdadeiros continuadores da obra que Jesus, O Cristo realizou em
benefício do ser humano.
A vocação tem sido usurpada por aqueles que trocam a
perspectiva do servir para o de ser servido[10].
Entende-se por ser servido àqueles que usam de sua posição para conquistar
honra, poder, fama e riquezas em detrimento daqueles que deveriam ser objetos
de seu cuidado e dedicação sem esperar outra recompensa senão o resgate de tal
vida a uma condição de dignidade humana baseada em uma fé autêntica, não
fingida.
Muitos pastores têm se deixado levar por uma aculturação
social mesquinha em busca do sucesso e do reconhecimento. A humildade tem-se
tornado objeto raro em meio clérigo. A Igreja, através de seus líderes deveria
se portar como uma ilha em meio a um oceano de frustrações. Deveria ser um
local onde o ser pudesse encontrar a paz para a alma e uma razão de viver que
estivesse desvinculada da expectativa da sociedade atual, predadora. É neste
lugar – a Igreja – que os pastores devem levar as almas feridas, trata-las,
cura-las e faze-las reviver com sentidos claros e definidos.
Na realidade muitos pastores têm feito um ministério
de quatro paredes, ou ministérios de púlpitos, sem ao menos chegar perto do
povo, cumprimenta-los, ouvir seus lamentos e dificuldades. Não querem toca-los,
sentir seu cheiro, ver suas lágrimas e seus choros. Muitos pastores estão
vivendo uma outra realidade, longe do aqui e agora. Trazem mensagens, sermões,
pregações sem nenhum efeito prático para o desenvolvimento de uma vida cristã,
que dignifique este ser, que estimule um viver cristão num mundo egoísta.
Muitos líderes dirigem seu povo como se os acontecimentos ocorridos fora de
suas quatro paredes não estivesse de alguma forma atingindo suas ovelhas.
Oprimindo-as, influenciado-as a viverem como os demais, sem amor ao próximo,
sem uma vida de compaixão aos fracos, aos excluídos. Preocupando-se muito mais
com que tipo de roupas suas ovelhas usam ou como está a situação financeira pessoal
ou da Igreja do que com aqueles que estão precisando de ajuda, tão próximos e
ao mesmo tempo tão distantes daqueles que foram vocacionados para ajuda-los.
Em nossa realidade denominacional, os líderes têm
falhado, não levando suas igrejas para fora, sair das quatro paredes e ganhar o
mundo, denunciando a injustiça, indo ao encontro do órfão e da viúva. Entrando
em favelas e barracos levando palavras de esperança e se dando em benefício
daqueles que necessitam de uma mão estendida para ajuda-los.
III – o perfil de serviçal
“Cristo não estabeleceu nem instituiu o ministério da
proclamação para prover-nos de dinheiro, propriedades, popularidade, honra ou
amizades. Alguns pregadores hesitam em proferir palavras duras de julgamento,
com medo de ofender os “grandes” que se assentam em sua congregação. Tais
pregadores são na realidade mercenários que “tagarelam no púlpito”, mas não
proclamam a verdade, porque amam seus ventres e a esta vida temporal mais que
Cristo. Talvez a tentação mais enfraquecedora que um pregador enfrente é a da
vanglória. Deus nos proteja dos pregadores que agradam a todos e desfrutam de
um bom testemunho de todos”, disse Lutero. “Os pregadores devem tomar cuidado
com os aduladores que lisonjeiam sua vaidade, porque logo estarão dizendo para
si mesmos: Isto é o que você fez, esse é o seu trabalho, você é um homem de
primeira, o verdadeiro mestre. E isso não tem valor nem para ser jogado aos
cães! Os pregadores fiéis devem ensinar apenas a Palavra de Deus e buscar
apenas sua honra e louvor. Do mesmo modo, os ouvintes também devem dizer: Não
creio em meu pastor, mas ele me fala de outro Senhor cujo nome é Cristo; é esse
que ele me mostra”.[11]
O que se
espera daqueles que foram vocacionados para servirem àqueles que tem diversas
necessidades? Como vivenciar esta vocação em benefício do próximo? De quais formas podemos lidar com este desafio
em pleno século XXI? Estas e outras questões que poderiam ser formuladas nos
remetem a origem e ao significado da nossa vocação.
Ser um pastor nos dias atuais significa antes de
tudo uma renúncia. Uma renúncia vivida e experimentada diariamente diante de
tantas pressões. Por mais difícil que seja, renunciar partes de nós mesmos.
Como pessoas, também temos as nossas aspirações, desejos, sonhos e frustrações,
tristezas e alegrias. O que nos torna diferente, é que o eu não está em
primeiro plano, mas o outro. Nossa vida está em auxiliar o próximo nos mesmos
problemas que nós vivenciamos diariamente. Enquanto muitos busquem sucesso,
reconhecimento, o verdadeiro pastor busca o bem estar das pessoas, levando a
elas não somente palavras de esperança, mas também uma vida de fé e esperança
diante de Deus[12].
Temos o privilégio em participar das transformações
exercidas pela graça de Deus na vida do ser humano. Como instrumentos, somos
usados para operar através de significados próprios da fé a vida pessoal de
muitos. Somos por muitas vezes aqueles que se preocupam com a vida de muitos
que são desprezados. Somos aqueles que escutam a voz do clamor que está tão
perto. Se nos calarmos, se nossas mãos não forem estendidas quem auxiliará o
necessitado?
O nosso desafio é não ser igual a este mundo, a esta
sociedade. Enquanto o homem tem sido objeto de uso para beneficiar alguns, nós
fazemos a diferença em levar este homem a uma condição de dignidade perante
todos, principalmente diante de Deus. Para tanto é necessário estarmos onde o
necessitado está. Estar pronto a ouvir o que está a lamentar e falar com convicção
denunciando a injustiça contra este mesmo ser humano. É levar a palavra de Deus
onde não há mais esperança. É sentir em nosso corpo e em nossos sentimentos o
sentimento e as dores alheias. Nós não podemos cair na tentação de achar que as
pessoas não precisam de nós, que a religião e a espiritualidade são objetos
grotescos e desnecessários, o atual sistema não tem tempo para as pessoas e
para suas necessidades, que toda ciência e tecnologia não são utilizadas para
satisfazer a necessidade humana. O desafio do líder cristão[13] é
manter-se fiel a chamada, a vocação[14] do
servir, de trazer vida, a paz interior, de anunciar ao mundo que nem tudo foi
perdido.
Nosso desafio maior é manter nossas mãos estendidas
junto às mãos que se levantam clamando por ajuda, hoje, agora.
Conclusão
Certamente a figura do Pastor está cercada de
grandes desafios: a fragilidade humana está presente ao seu redor. Assim como a
conviver com suas próprias dores que se manifestam a cada dia. O desafio neste
contexto não é último, é permanente. O ser humano necessita de lideranças que
estejam atentas às elas. Para isto o lugar primeiro de um Pastor, de um líder
cristãos é estar diante do autor de seu chamado espelhando sua vida no exemplo
da vida dele. Fazendo diferença onde os iguais são aceitos sem seres pensados
ou analisados, onde os diferentes são ridicularizados por terem um outro
discurso.
A conclusão final é que se o líder falhar a missão
de nosso Senhor terá falhado e o homem continuará com seus eternos sofrimentos
e sem nenhum tipo de esperança.
Bibliografia
____________.
A Bíblia Sagrada. Trad.
João Ferreira de Almeida. Ed. revista e atualizada. São Paulo: Vida Nova, 1999.
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FERREIRA,
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PETERSON,
Eugene & Dawn, Marva J. O pastor
desnecessário: redescobrindo o chamado. Trad. Cláudia Ziller Faria Local:
Rio de Janeiro: Ed Textus, 2001.
[1]
DANTAS, Anísio Batista. O Pastor e Seu
Ministério. Local: São Paulo: Impressora Latina, 1190. p. 84
[2] A
palavra vocação (latim vocatio, onis), da mesma raiz do verbo vocare,
significa tendência, inclinação natural a alguma coisa, propensão, queda,
chamada divina para alguma obra, missão ou vida religiosa.
DANTAS, Anísio
Batista. O Pastor e Seu Ministério.
Local: São Paulo: Impressora Latina, 1190. p. 32
[3] HOWARD, J. Grant. O Líder
Eficaz. Trad. Osvaldo Ramos. Local: São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1987.
pp. 108-109
[4]
NOUWEN, Henri J. M. O perfil do Líder
Cristão no século XXI. Local:
Americana: Worship Produções, 1993. p. 25
[5]
Idem pp. 10, 42-43. O autor faz uma clara referência sobre esta questão: “Todos
diziam que eu realmente estava agindo muito bem, mas alguma coisa dentro de mim
me dizia que o meu sucesso colocava minha alma em perigo”.
[6]
NOUWEN, Henri J. M. O perfil do Líder
Cristão no século XXI. Local: Americana: Worship Produções, 1993. p. 31 – O
autor faz a seguinte afirmação: “Conhecer o coração de Jesus é conhecer o
coração do homem”.
[7] HOWARD, J. Grant. O Líder
Eficaz. Trad. Osvaldo Ramos. Local: São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1987.
p. 108
[8]
BRAKEMEIER, Gottfried. O Ser Humano em Busca de Identidade: Contribuições
para uma Antropologia teológica. Local: São Leopoldo: Sinodal: São Paulo:
Paulus, 2002. p. 18
[9] Ao
utilizar o termo pastor entende-se por todos e todas que entendem terem um chamado
para servir o Sagrado na luta em levar o homem a uma melhor condição, mediante
a uma fé vivida nas mais diversas expressões religiosas. Vd a obra de PETERSON,
Eugene & Dawn, Marva J. O pastor
desnecessário: redescobrindo o chamado. Trad. Cláudia Ziller Faria Local:
Rio de Janeiro: Ed Textus, 2001. p. 6
quando diz: “Ministério é ministério, quando feito em nome de Jesus, não
importando quem o exerce...”.
[10]
Vide a obra de PETERSON, Eugene & Dawn, Marva J. O pastor desnecessário: redescobrindo o chamado. Trad. Cláudia
Ziller Faria Local: Rio de Janeiro: Ed Textus, 2001. O capítulo I – Sobre
Ser Desnecessário, quando faz a afirmação que a cultura é um elemento
utilizado que provoca a corrupção do ministério, desviando a atenção principal
que é o serviço.
[11] GEORGE,
Timothy. Teologia dos Reformadores. Trad. Gérson Dudus e Valeria Fontana. Local: São Paulo: Vida
Nova, 1993. p. 92.
[12]
BRAKEMEIER, Gottfried. O Ser Humano em Busca de Identidade: Contribuições
para uma Antropologia teológica. Local: São Leopoldo: Sinodal: São Paulo:
Paulus, 2002. p. 14-25. O autor faz diversas considerações da importância dos
valores religiosos na vida humana, sendo indispensável sua presença na
sociedade humana. Neste aspecto de forma indireta o autor nos remete a um
desafio claro de ocuparmos o espaço que nos pertence, não como fonte de poder,
mas de serviço.
[13]
NOUWEN, Henri J. M. O perfil do Líder
Cristão no século XXI. Local:
Americana: Worship Produções, 1993. p. 19. O autor também defende o pensamento da
“inutilidade” do líder: “o líder cristão do futuro é chamado para ser
completamente irrelevante e a estar neste mundo sem nada a oferecer a não ser a
sua própria pessoa vulnerável”.
[14]
Peterson faz a afirmação que a vocação primeira e a de seguir a Cristo. p. 13 -
PETERSON, Eugene & Dawn, Marva J. O
pastor desnecessário: redescobrindo o chamado. Trad. Cláudia Ziller Faria
Local: Rio de Janeiro: Ed Textus, 2001.
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