quinta-feira, 1 de março de 2018

O CLAMOR NOS CHAMA


o clamor nos chama

Introdução

“O Pastor... é um mensageiro de boas notícias referente ao reino de Deus”.
Anísio Batista Dantas[1]
O objetivo deste trabalho é demonstrar a importância do Pastor em plena época da pós-modernidade. Diante da realidade que vivemos hoje.
A primeira parte contempla exatamente a fragilidade humana com todas as suas problemáticas. Em seguida abordamos a questão de um pastoreio alheio a problemática humana, cônscio apenas em si mesmo e das suas próprias expectativas sem levar em consideração o farto campo de trabalho e atuação, como uma plantação, onde bastaria realizar a colheita. Finalmente, numa breve reflexão demonstramos a necessidade do Pastor exercer sua vocação[2] primeira, em direção do ser humano, com uma mão estendida.

I – a precariedade humana, um fato.

“Devemos ser treinados para viver de maneira sensata, correta e piedosa neste mundo, neste século... pode significar eternidade, pode significar o passado, o futuro, mas aqui significa o presente – agora mesmo, Agora mesmo! Na atual situação do seu lar. Seu primeiro ano de faculdade. Seu presente trabalho. Com o governo atual... com inflação e impostos subindo sempre. Com aquela cirurgia que ocorrerá na semana próxima... com armas nucleares, com a goteira no forro. Deus quer que os crentes contextualizem sua fé”.[3]

O que é o ser humano? Creio que qualquer definição não corresponderia à complexidade do ser em suas mais diversas manifestações e inquietações. Homens, mulheres, jovens, crianças e velhos somos seres complicados, por demais complicados por sinal. Por diversas vezes difíceis de entender ou de se fazer entender. É justamente com este tipo de matéria prima que temos de nos relacionar, trabalhar e ajudar a serem transformados.

E como é este ser humano hoje? Em plena época de tantas conquistas nas mais diversas áreas da vida humana, o ser humano continua frágil, talvez mais frágil do que antes. É impressionante o número de pessoas que se sentem carentes, sedentas de atenção, de carinho, de palavras de animo e de encorajamento. Por quê a humanidade com toda produção tecnológica, não consegue resolver diversas questões das necessidades humanas? O homem tem alcançado estágios cada vez maiores em diversas ciências, descobrimentos, invenções, até mesmo algumas respostas a inúmeras perguntas, porém, a humanidade vive um clima de profundas incertezas, e violências. A nossa realidade é prova disto: a grande tecnologia empregada em fabricas com seus robôs substituindo seus trabalhadores, bancos trocando os operadores de caixa por terminais, pessoas matando e sendo mortas por nada. Muitos não têm sequer dinheiro para comprar um pão, um remédio, um doce para seu filho. Quantos há que não conseguem passar por uma consulta médica por não poderem pagar por um convênio médico? Aguardando por muitos dias por uma assistência pública falida, onde muitas vezes são tratados sem um minimo de respeito e mesmo depois de atendidos não conseguirem ter acessos aos medicamentos necessários por não poderem comprar, por não terem condições.

A carência humana é enorme[4], como grande é sua fragilidade diante de tantas dúvidas, seja o medo do desemprego, da violência, da morte, do amanhã. Esta carência tem levado muitos a se refugiarem em vícios das mais variadas formas. Os referenciais estão sendo perdidos ou deturpados, seja nas escolas, nos lares, no dia-a-dia. A busca do sucesso[5] para ser aceito e o medo do fracasso gera um clima de instabilidade constante, somos cobrados e nos tornamos cobradores de resultados e de sucessos que talvez nunca venhamos a conhecer, impostos por uma sociedade que nos aceita pelo o que podemos consumir. O ser humano é um ser frustrado! Em maior ou em menor grau. Não conseguimos tudo que queremos ou que gostaríamos de ter, e diariamente somos incentivados a ter o que não precisamos. Assim o ser humano é tratado por aquilo que ele pode consumir, se ele não pode comprar simplesmente é rejeitado, literalmente alguém sem valor, reduzido a nada, simplesmente excluído. Um niilismo.
A política, instrumento de promoção de justiça popular tem sido um dos meios de grande opressão humana, fazendo das pessoas um joguete de interesses pessoais em disputas de poder e de influências. Uma minoria de privilegiados, em prejuízo de uma maioria subordinada aos ditames daqueles que deveriam fazer seu melhor possível para servir e prover para a população partes de sua carência.
A realidade vivencial confirma a atual condição do ser. Destinado a padecer, sem que haja alguém que se incomode com ele, está fadado a ter uma vida sem esperanças. Para mudar este quadro é necessário que uma mão seja estendida em favor dos desesperados[6]. 

II – vocacionados para servir

“O cristianismo não é uma religião do tipo faça você mesmo”.[7]

O ser humano é a imagem de Deus[8] por ser feito a sua semelhança. Esta afirmação nos remete a uma reflexão sobre a nosso vocação. Como pastores[9], chamados, separados e capacitados nos tornamos representantes de Deus neste mundo como verdadeiros continuadores da obra que Jesus, O Cristo realizou em benefício do ser humano.

A vocação tem sido usurpada por aqueles que trocam a perspectiva do servir para o de ser servido[10]. Entende-se por ser servido àqueles que usam de sua posição para conquistar honra, poder, fama e riquezas em detrimento daqueles que deveriam ser objetos de seu cuidado e dedicação sem esperar outra recompensa senão o resgate de tal vida a uma condição de dignidade humana baseada em uma fé autêntica, não fingida.
Muitos pastores têm se deixado levar por uma aculturação social mesquinha em busca do sucesso e do reconhecimento. A humildade tem-se tornado objeto raro em meio clérigo. A Igreja, através de seus líderes deveria se portar como uma ilha em meio a um oceano de frustrações. Deveria ser um local onde o ser pudesse encontrar a paz para a alma e uma razão de viver que estivesse desvinculada da expectativa da sociedade atual, predadora. É neste lugar – a Igreja – que os pastores devem levar as almas feridas, trata-las, cura-las e faze-las reviver com sentidos claros e definidos.
Na realidade muitos pastores têm feito um ministério de quatro paredes, ou ministérios de púlpitos, sem ao menos chegar perto do povo, cumprimenta-los, ouvir seus lamentos e dificuldades. Não querem toca-los, sentir seu cheiro, ver suas lágrimas e seus choros. Muitos pastores estão vivendo uma outra realidade, longe do aqui e agora. Trazem mensagens, sermões, pregações sem nenhum efeito prático para o desenvolvimento de uma vida cristã, que dignifique este ser, que estimule um viver cristão num mundo egoísta. Muitos líderes dirigem seu povo como se os acontecimentos ocorridos fora de suas quatro paredes não estivesse de alguma forma atingindo suas ovelhas. Oprimindo-as, influenciado-as a viverem como os demais, sem amor ao próximo, sem uma vida de compaixão aos fracos, aos excluídos. Preocupando-se muito mais com que tipo de roupas suas ovelhas usam ou como está a situação financeira pessoal ou da Igreja do que com aqueles que estão precisando de ajuda, tão próximos e ao mesmo tempo tão distantes daqueles que foram vocacionados para ajuda-los.
Em nossa realidade denominacional, os líderes têm falhado, não levando suas igrejas para fora, sair das quatro paredes e ganhar o mundo, denunciando a injustiça, indo ao encontro do órfão e da viúva. Entrando em favelas e barracos levando palavras de esperança e se dando em benefício daqueles que necessitam de uma mão estendida para ajuda-los.

III – o perfil de serviçal 

“Cristo não estabeleceu nem instituiu o ministério da proclamação para prover-nos de dinheiro, propriedades, popularidade, honra ou amizades. Alguns pregadores hesitam em proferir palavras duras de julgamento, com medo de ofender os “grandes” que se assentam em sua congregação. Tais pregadores são na realidade mercenários que “tagarelam no púlpito”, mas não proclamam a verdade, porque amam seus ventres e a esta vida temporal mais que Cristo. Talvez a tentação mais enfraquecedora que um pregador enfrente é a da vanglória. Deus nos proteja dos pregadores que agradam a todos e desfrutam de um bom testemunho de todos”, disse Lutero. “Os pregadores devem tomar cuidado com os aduladores que lisonjeiam sua vaidade, porque logo estarão dizendo para si mesmos: Isto é o que você fez, esse é o seu trabalho, você é um homem de primeira, o verdadeiro mestre. E isso não tem valor nem para ser jogado aos cães! Os pregadores fiéis devem ensinar apenas a Palavra de Deus e buscar apenas sua honra e louvor. Do mesmo modo, os ouvintes também devem dizer: Não creio em meu pastor, mas ele me fala de outro Senhor cujo nome é Cristo; é esse que ele me mostra”.[11]
 O que se espera daqueles que foram vocacionados para servirem àqueles que tem diversas necessidades? Como vivenciar esta vocação em benefício do próximo?  De quais formas podemos lidar com este desafio em pleno século XXI? Estas e outras questões que poderiam ser formuladas nos remetem a origem e ao significado da nossa vocação.
Ser um pastor nos dias atuais significa antes de tudo uma renúncia. Uma renúncia vivida e experimentada diariamente diante de tantas pressões. Por mais difícil que seja, renunciar partes de nós mesmos. Como pessoas, também temos as nossas aspirações, desejos, sonhos e frustrações, tristezas e alegrias. O que nos torna diferente, é que o eu não está em primeiro plano, mas o outro. Nossa vida está em auxiliar o próximo nos mesmos problemas que nós vivenciamos diariamente. Enquanto muitos busquem sucesso, reconhecimento, o verdadeiro pastor busca o bem estar das pessoas, levando a elas não somente palavras de esperança, mas também uma vida de fé e esperança diante de Deus[12].
Temos o privilégio em participar das transformações exercidas pela graça de Deus na vida do ser humano. Como instrumentos, somos usados para operar através de significados próprios da fé a vida pessoal de muitos. Somos por muitas vezes aqueles que se preocupam com a vida de muitos que são desprezados. Somos aqueles que escutam a voz do clamor que está tão perto. Se nos calarmos, se nossas mãos não forem estendidas quem auxiliará o necessitado?

O nosso desafio é não ser igual a este mundo, a esta sociedade. Enquanto o homem tem sido objeto de uso para beneficiar alguns, nós fazemos a diferença em levar este homem a uma condição de dignidade perante todos, principalmente diante de Deus. Para tanto é necessário estarmos onde o necessitado está. Estar pronto a ouvir o que está a lamentar e falar com convicção denunciando a injustiça contra este mesmo ser humano. É levar a palavra de Deus onde não há mais esperança. É sentir em nosso corpo e em nossos sentimentos o sentimento e as dores alheias. Nós não podemos cair na tentação de achar que as pessoas não precisam de nós, que a religião e a espiritualidade são objetos grotescos e desnecessários, o atual sistema não tem tempo para as pessoas e para suas necessidades, que toda ciência e tecnologia não são utilizadas para satisfazer a necessidade humana. O desafio do líder cristão[13] é manter-se fiel a chamada, a vocação[14] do servir, de trazer vida, a paz interior, de anunciar ao mundo que nem tudo foi perdido.
Nosso desafio maior é manter nossas mãos estendidas junto às mãos que se levantam clamando por ajuda, hoje, agora.

Conclusão

Certamente a figura do Pastor está cercada de grandes desafios: a fragilidade humana está presente ao seu redor. Assim como a conviver com suas próprias dores que se manifestam a cada dia. O desafio neste contexto não é último, é permanente. O ser humano necessita de lideranças que estejam atentas às elas. Para isto o lugar primeiro de um Pastor, de um líder cristãos é estar diante do autor de seu chamado espelhando sua vida no exemplo da vida dele. Fazendo diferença onde os iguais são aceitos sem seres pensados ou analisados, onde os diferentes são ridicularizados por terem um outro discurso.
A conclusão final é que se o líder falhar a missão de nosso Senhor terá falhado e o homem continuará com seus eternos sofrimentos e sem nenhum tipo de esperança.

Bibliografia

____________. A Bíblia Sagrada. Trad. João Ferreira de Almeida. Ed. revista e atualizada. São Paulo: Vida Nova, 1999. 1809 p.
BRAKEMEIER, Gottfried. O Ser Humano em Busca de Identidade: Contribuições para uma Antropologia teológica. Local: São Leopoldo: Sinodal: São Paulo: Paulus, 2002. 220 p.
DANTAS, Anísio Batista. O Pastor e Seu Ministério. Local: São Paulo: Impressora Latina, 1190. 278 p.
FERREIRA, Ebenézer Soares. Manual da Igreja e do Obreiro. 6a ed. Local: Rio de Janeiro: JUERP, 1989. 234 p.
GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. Trad. Gérson Dudus e Valeria Fontana. Local: São Paulo: Vida Nova, 1993. pp. 92
HOWARD, J. Grant. O Líder Eficaz. Trad. Osvaldo Ramos. Local: São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1987. pp. 101-109
NOUWEN, Henri J. M. O perfil do Líder Cristão no século XXI. Local: Americana: Worship Produções, 1993. 86 p.
PETERSON, Eugene & Dawn, Marva J. O pastor desnecessário: redescobrindo o chamado. Trad. Cláudia Ziller Faria Local: Rio de Janeiro: Ed Textus, 2001.


[1] DANTAS, Anísio Batista. O Pastor e Seu Ministério. Local: São Paulo: Impressora Latina, 1190. p. 84
[2] A palavra vocação (latim vocatio, onis), da mesma raiz do verbo vocare, significa tendência, inclinação natural a alguma coisa, propensão, queda, chamada divina para alguma obra, missão ou vida religiosa.
 DANTAS, Anísio Batista. O Pastor e Seu Ministério. Local: São Paulo: Impressora Latina, 1190. p. 32
[3] HOWARD, J. Grant. O Líder Eficaz. Trad. Osvaldo Ramos. Local: São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1987. pp. 108-109
[4] NOUWEN, Henri J. M. O perfil do Líder Cristão no século XXI. Local: Americana: Worship Produções, 1993. p. 25
[5] Idem pp. 10, 42-43. O autor faz uma clara referência sobre esta questão: “Todos diziam que eu realmente estava agindo muito bem, mas alguma coisa dentro de mim me dizia que o meu sucesso colocava minha alma em perigo”.
[6] NOUWEN, Henri J. M. O perfil do Líder Cristão no século XXI. Local: Americana: Worship Produções, 1993. p. 31 – O autor faz a seguinte afirmação: “Conhecer o coração de Jesus é conhecer o coração do homem”.
[7] HOWARD, J. Grant. O Líder Eficaz. Trad. Osvaldo Ramos. Local: São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1987. p. 108
[8] BRAKEMEIER, Gottfried. O Ser Humano em Busca de Identidade: Contribuições para uma Antropologia teológica. Local: São Leopoldo: Sinodal: São Paulo: Paulus, 2002. p.  18
[9] Ao utilizar o termo pastor entende-se por todos e todas que entendem terem um chamado para servir o Sagrado na luta em levar o homem a uma melhor condição, mediante a uma fé vivida nas mais diversas expressões religiosas. Vd a obra de PETERSON, Eugene & Dawn, Marva J. O pastor desnecessário: redescobrindo o chamado. Trad. Cláudia Ziller Faria Local: Rio de Janeiro: Ed Textus, 2001. p.  6 quando diz: “Ministério é ministério, quando feito em nome de Jesus, não importando quem o exerce...”.
[10] Vide a obra de PETERSON, Eugene & Dawn, Marva J. O pastor desnecessário: redescobrindo o chamado. Trad. Cláudia Ziller Faria Local: Rio de Janeiro: Ed Textus, 2001. O capítulo I – Sobre Ser Desnecessário, quando faz a afirmação que a cultura é um elemento utilizado que provoca a corrupção do ministério, desviando a atenção principal que é o serviço.
[11] GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. Trad. Gérson Dudus e Valeria Fontana. Local: São Paulo: Vida Nova, 1993. p.  92.
[12] BRAKEMEIER, Gottfried. O Ser Humano em Busca de Identidade: Contribuições para uma Antropologia teológica. Local: São Leopoldo: Sinodal: São Paulo: Paulus, 2002. p. 14-25. O autor faz diversas considerações da importância dos valores religiosos na vida humana, sendo indispensável sua presença na sociedade humana. Neste aspecto de forma indireta o autor nos remete a um desafio claro de ocuparmos o espaço que nos pertence, não como fonte de poder, mas de serviço.
[13] NOUWEN, Henri J. M. O perfil do Líder Cristão no século XXI. Local: Americana: Worship Produções, 1993.  p.  19. O autor também defende o pensamento da “inutilidade” do líder: “o líder cristão do futuro é chamado para ser completamente irrelevante e a estar neste mundo sem nada a oferecer a não ser a sua própria pessoa vulnerável”.
[14] Peterson faz a afirmação que a vocação primeira e a de seguir a Cristo. p. 13 - PETERSON, Eugene & Dawn, Marva J. O pastor desnecessário: redescobrindo o chamado. Trad. Cláudia Ziller Faria Local: Rio de Janeiro: Ed Textus, 2001.

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