quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Educação como prática de liberdade

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 7a. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. 150 p.
Este trabalho consiste na elaboração de uma resenha sobre uma obra do conhecido educador Paulo Freire. O livro escolhido, Educação como prática de liberdade, compilada durante o exílio do autor, promovida pela ditadura militar. Do Chile vem o escrito do autor que após uma longa apresentação - chama atenção pela sua extensão – realiza uma análise das condições sociais e políticas do Brasil. Nosso enfoque está na leitura do texto citando os fundamentos do autor acrescido de análise crítica e contemporânea tanto da obra, bem como, da atual situação social do povo brasileiro.
Paulo Freire era pedagogo. Criador de uma metodologia de ensino, objeto de posterior análise, enfoca nesta obra, a necessidade de alfabetização de uma grande massa de analfabetos, que uma vez, o processo iniciado, preferia chamá-los de alfabetizando. Sua metodologia consistia na formação de círculos de cultura, voltado a educação popular, formada por um coordenador e alfabetizandos que juntos partem em busca da conquista da língua. A participação do povo é fundamental. Estes não apenas devem participar, mas também elaborar através de debates a construção do saber e, principalmente da consciência popular. Alias, para Paulo Freire tanto a alfabetização e a conscientização jamais se separam, ter consciência da situação real, aquela vivida diariamente pelo educando é um objetivo a ser conquistado. Este processo educativo vem como afirmação e posse da liberdade, que leva o ser humano a ser crítico em relação a sua realidade. O tomar consciência do que é real, é levar o ser humano a lutar para ser libertar daquilo que o oprime: seja de outros seres opressores, seja da política, ou do próprio sistema social e político que inibe o ser de ser sujeito. Para que tal não suceda, o ser precisa se libertar a cada dia, tendo a consciência do que o aliena.
Em 1962, Paulo Freire inicia no nordeste brasileiro, a implementação de seu método no auge da ascensão popular movido pelo governo de João Goulart. O crescimento trouxe junto às classes dominantes, diga-se da minoria, o medo. Em resposta surge o golpe militar para eliminar a “ameaça” da subversão contra a ordem estabelecida (de quem?). A preocupação que o projeto de Paulo Freire produzia estava justamente na educação voltada para a decisão, para assumir uma responsabilidade social e política consciente através da realidade vivencial do povo e da nação, através de uma visão social[1]. Este movimento produz movimentos de crítica de forma prática, infelizmente os resultados levam a marginalidade. A força contrária quer manter o ser humano na completa ignorância, presa como uma massa de manobra, objeto tanto da “democracia” como também do populismo[2].
A base de uma verdadeira pedagogia democrática encontra uma educação voltada para a libertação das classes populares transformando-as como fontes de mudanças políticas e sociais, voltadas para o próprio ser humano coletivo. Nisto, o papel do educador é estar a serviço da liberdade, a favor do poder de criação, reflexão e crítica consciente que transforme o ser humano de objeto a sujeito, aquele que faz a sua própria história.
No capítulo da Sociedade em Transição o autor afirma que o ser humano não deve apenas estar no mundo, mas ser no mundo, este processo leva o ser humano a conhecer-se a si mesmo, e aquilo que o cerca não de forma passiva, mas de forma participativa, envolvido, estando junto, interferindo, ativo, é o estar na e com a realidade; contrariando a acomodação e a passividade. A educação vem ao encontro do ser humano, prepara-lo a estar apto a assumir sua responsabilidade de sujeito de transformação. O processo de alfabetização não é um fim em si mesmo, mas um processo que leve a reflexão da realidade vivida em sua cultura[3]. Paulo Freire cita o assistencialismo[4] como um processo de mutismo[5] e de massificação. Ajudar o ser humano é ajuda-lo a se ajudar é faze-lo agente de sua própria recuperação, o ser humano que (re)constrói sua dignidade humana. As soluções devem ter a plena participação do povo, através da educação a fuga do estado vegetativo e acrítico.
No capítulo Sociedade fechada e Inexperiência democrática o autor faz uma análise do “tipo de colonização” que  a nação brasileira sofreu, a de exploração e não de colonização. Este modelo impôs ao nativo humilhação ou a síndrome de cabeça baixa. O opressor trabalho escravocrata minou qualquer tipo de reação humana. Esta atitude construiu uma cultura de submissão, de ajustamento e acomodação e desprezo a integração do ser. Para o escravo o pau, o pão, e o pano[6] eram mais que suficientes. O nativo era-lhe proibido falar e crescer.
No capítulo Educação X Massificação vem como resposta aos primeiros capítulos anteriores. Surgem as questões: o pobre deve ser ouvido? Quando? A educação é uma necessidade para que o pobre aprender a decidir, a ter responsabilidade social e política, desenvolvendo seus poderes intelectuais dentro da coletividade. É um basta para a perda da identidade, agora o ser humano deve ingerir nas decisões, naquilo que lhe diz respeito. Para isto, é necessária uma educação corajosa, que de ao ser humano condições de discutir, de mudar suas atitudes e de superar sua inexperiência democrática. O método de Paulo Freire difere da escola tradicional justamente por não levar em consideração a realidade humana. A cultura está baseada exclusivamente palavra – na verdade muitas expressões religiosas também - enquanto a democracia e a educação popular se fundamentam no crer do ser humano, em uma visão vivencial e não puramente técnica ou alienada.
No capítulo Educação e Conscientização o autor define seu método, os  círculos de cultura e centros de cultura visam o papel do coordenador, participativo ao invés do típico papel do professor, ou seja, o puramente discursivo. Os assuntos são discutidos nestes espaços com auxílio de recursos visuais vindos da realidade. A educação se transforma então em atos de criação, de construções de relações e de desenvolvimento de níveis de consciência oprimidas: a crítica, a mágica submissa e não questionadora. Assim o autor ataca todo e qualquer meio de quietismo. A defesa de uma educação capaz de levar o ser humano a uma reflexão trará a este mesmo ser humano, cedo ou tarde, o desenvolvimento de responsabilidades que contribuam para a inversão da atual passividade[7]. A cultura produzida através desta metodologia privilegia a conscientização em relação à alfabetização, está é a razão, pelo qual, o autor crítica a utilização das tradicionais cartilhas escolares. A partir de seu método utilizando-se as palavras “geradoras” (o autor faz uso de 18 palavras), inicia-se a construir outras palavras, frases, sentenças e exprimir a visão da realidade vivida de cada alfabetizando.  
Concluindo, a leitura deste livro veio ao encontro de não apenas de uma necessidade teórica, mas principalmente em um momento vivencial em nossa pequena e humilde comunidade. Compartilho com o autor o não apenas o ensinar, mas acima de tudo o conscientizar do indivíduo para a vida, para aquilo que o cerca. Para nós cristãos, a visão da liberdade está sempre presente, infelizmente, muitas vezes direcionada apenas a alma e não no ser holístico. A partir da experiência de Paulo Freire percebemos o quanto às comunidades religiosas poderiam ser meios em que a conscientização poderia se fazer presente na vida de todos e não apenas de alguns.



[1] “... uma pedagogia da liberdade pode ajudar uma política popular, pois, a conscientização significa uma abertura a compreensão das estruturas sociais como modos da dominação e da violência”. p.16
[2] Para Paulo Freire o populismo também consiste em ferramenta de opressão, pois, mantém o ser humano alheio a sua própria realidade.
[3] “... o homem radical na sua opção, não nega o direito ao outro de optar. Não pretende impor sua opção. Dialoga sobre ela.  Está convencido de seu acerto, mas respeita no outro o direito de também se julgar certo”. p.50
[4] O assistencialismo rouba do ser humano a sua responsabilidade nos processos de ajuda e transformação, não exige responsabilidades, não há decisões, para uma melhor compreensão veja p.57.
[5] O meu entendimento de mutismo: trata-se da falta de participação, a exclusão na solução de problemas comuns, passividade.
[6] Os três p´s - ppp
[7] Para uma melhor compreensão da metodologia sugiro a leitura das p.107 e ss.

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